FRANCO ATIRADOR

Sempre defendi que não existe autor mais capaz, em termos de criatividade, do que as circunstâncias e situações oferecidas pela vida. O segredo é saber observar, e ter a capacidade de reproduzir aquele conteúdo de forma literária, se possível com interesse para o leitor. Desconheço autor bem sucedido que não seja, antes de tudo, um paciente observador. Escritor é o sniper da vida alheia. Fazemos mira em alvos a longa distância, parados ou em movimento. Somos Vassili Zaitsev contra os nazistas na batalha de Stalingrado.

Mesmo sem olhar, apenas com o sentido da audição, torna-se fácil decifrar códigos e montar uma história que precisará de pequena ajuda para ir adiante. No meu caso incluo o conflito, espécie de obsessão para mim. Respeito quem o dispensa, talvez porque não consiga dominá-lo, ou porque estamos todos errados e o certo mesmo é o conto paraplégico, curupira, de pernas viradas para trás e personagens que falam a língua dos elfos. Questão de gosto e escolha.

Para mim, interessante pode ser o vizinho do andar de cima. Nunca o vi, mas hoje à tarde escutei o que dizia ao telefone. A vida é sempre um exercício de criação. Pela voz, logo na primeira frase, percebo algumas opções de vida da suposta personagem. É jovem, homossexual, e a julgar pelo vocabulário veio de alguma cidade do interior, mas de outro estado. No conteúdo da mensagem consigo captar o conflito. Desempregado, frequenta uma universidade, aguarda a visita de um familiar para os próximos dias e tem apenas mais um mês de seguro desemprego. Com estes argumentos é possível montar um conto. O resto é criatividade e estilo.

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