O CANIL DOS ROTTWEILER


Domingo o patriarca saiu de casa para o tradicional almoço em família. Lasanha na residência da caçula e a companheira. O casal de arquitetas morava num condomínio de luxo, no outro lado da cidade. As três filhas, genros e netos esperaram em vão. O velho sequer telefonou, nem mandou recado. 

Não era a primeira vez que acontecia. No celular com dois chips, ambos os números fora de área, ou desligados. Tentaram o convencional. Desde que ficara viúvo, todos os sábados do mês eram dedicados às pescarias e carteados, oportunidades que tinha para rever antigos colegas do Judiciário, ajudá-los a esvaziar garrafas de uísque. Um dos genros ainda brincou com as cunhadas, aludindo a uma possível namorada que o sogro teria arrumado, mas não queria trazer à presença da família, por regular de idade com as filhas. 

Segunda-feira, ao retornar de uma consulta médica no mesmo bairro em que o pai residia, a primogênita resolveu tirar a limpo. Não houve resposta ao tilintar da campainha. Contornou a casa e percebeu a garagem nos fundos do terreno vazia. Sentiu um arrepio nas costas. Os números do celular ainda inacessíveis. A irmã do meio acionou o marido, policial civil. Apesar de afastado, dois anos encostado em processo administrativo, mantinha contato quase diário com os colegas. 

A família combinou uma reunião de emergência na casa das arquitetas. Àquela altura, todos em polvorosa. E o velho mantinha um carinho especial pela companheira da filha, dividiam a paixão por jardinagem e o cultivo de hortaliças. No improviso, a residência tornou-se “centro de operações” para os familiares e alguns colegas do genro policial, o pai de Jairzinho, neto de quatro anos que era o mais apegado ao velho. Apesar da tentativa dos adultos em preservá-lo, não demorou a perceber que o vovô desaparecera. 

O menino cresceu, tornou-se Jair e nunca, em nenhum momento de sua existência, desconfiou que jamais poderia ter contado ao vovô sobre o papai e aquele amigo policial, ambos nos fundos de casa, dentro do canil dos Rottweiler, cavando um enorme buraco com pás e picaretas, onde colocaram muitos e muitos pacotes de plástico transparente em formato quadrado, parecidos com tijolos brancos.

Escrito em junho de 2013.

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