PAI HEROI

Leopoldo Júnior teve um novo ataque de fúria na sala de aula. Desta vez, golpeou a testa de um coleguinha com o grampeador e enfiou dois grampos no cocuruto de outro. Gritaria, corre-corre. Houve criança que passou mal, por causa do sangue. Rastro de pingos grossos até a enfermaria. 

Foram socorridos e encaminhados ao pronto-atendimento do hospital mais próximo. Os cortes profundos requeriam sutura. Enquanto isso, na sala do coordenador de disciplina, o agressor aguardava seu destino. Até então, nunca tivera problemas de mau comportamento. Nas raras confusões em que esteve envolvido, geralmente no intervalo, sempre fora o agredido e pedia socorro aos professores que supervisionavam o pátio da escola. 

Tirava boas notas, de oito pra cima. Destacava-se nas ciências exatas e tinha grande facilidade com as línguas estrangeiras. Acima do peso, era preguiçoso na educação física, mas com algum esforço e nota dez nos trabalhos escritos obtia uma boa média final. Costumava dizer que seria engenheiro e político, como o pai. Contudo, desde que as coisas mudaram radicalmente, não tinha mais certeza sobre nada que dissesse respeito ao futuro. No momento, do alto de seus 11 anos, sua compreensão de mundo resumia-se aos sentimentos de raiva e vergonha.  

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No caminho de volta pra casa, Maria Letícia não repreendeu o filho. Fizeram o trajeto em silêncio, emburrados. Ela sabia o motivo da súbita mudança de comportamento que ele vinha apresentando. Duas brigas em menos de quinze dias. Recebeu uma advertência por escrito e agora dez dias de suspensão, além do aviso de que será expulso caso reincida. 

Enquanto dirigia, imaginava um discurso para educar Leopoldo Júnior. Falaria com ele mais tarde, hoje ainda, quando estivessem na sala de tevê ou juntos à mesa, durante uma refeição. Difícil fazê-lo entender, pedir que releve e conte até dez quando os coleguinhas falarem mal de seu pai. Criança diz coisas sem pensar, magoa sem querer. O caso ainda é muito recente, a imprensa fala a respeito todos os dias. Talvez o melhor a fazer seja tirá-lo da escola por um tempo, ou mandá-lo para o interior, com os avós, até que as coisas voltem ao normal.

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Mãe e filho estavam acomodados no sofá, debaixo do edredom, devorando guloseimas. Por razões óbvias, fazia algum tempo que ela não assistia aos noticiários, não ligava o rádio ou lia jornais, que mandava recolher e colocar no lixo. Naquele fim de tarde, após a novela, esqueceu-se de desligar a tevê na hora do noticiário. Por intermédio do Jornal Nacional, ela e o filho souberam. 

Preso no Uruguai o ex-deputado fulano de tal. Foragido da Justiça, o ex-secretário de estado e ex-presidente de estatais, investigado pela Polícia Federal e o Ministério Público, foi encontrado em Punta del Este, onde alugava uma mansão. No local, foram apreendidas duas malas de dinheiro, uma caixa de lança-perfume e pequena quantidade de cocaína. Segundo os delegados responsáveis pela prisão, a quantia total ainda não foi contabilizada, mas pode ultrapassar dois milhões e meio de reais. 

A reportagem foi ilustrada com imagens da captura. Aparecia o ex-deputado algemado, barbudo, cabelo desgrenhado, bermuda, camiseta e sandálias Havaianas. Com ele estavam duas jovens de vestido curtíssimo e salto alto. A câmera acompanhou tudo, até o momento em que entrou na gaiola do camburão e o comboio da polícia saiu em disparada. 

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