A caçula desejava um cão. Claudio não queria, apesar das indiretas da esposa. Quando criança, também ela possuíra animais de estimação. Achava injusto privar a menina. Por outro lado, admitia, moravam num sobrado com minúsculo pátio. Recém-saídos do aluguel para o sonho da casa própria. Unidades geminadas, áreas de lazer em comum. “Sobre o cachorro, decidiremos ano que vem”.
Noutra rua do mesmo condomínio, Claudionor passava instruções à filha. Que oferecesse na escola o último filhote da ninhada. Colegas, professores, pessoal da limpeza, porteiros, tio do lanche, motoristas de van, supervisores, auxiliares, qualquer um. O animalzinho estava pronto para o novo lar, inclusive com a primeira dose das vacinas. Restava apenas um macho. Cambota, desajeitado.
Claudiomiro sobrevivia do lixo reciclável. Alumínio, preferencialmente. Rodeado de vira-latas, percorria a cidade com o seu carrinho de catador. Pernoitavam debaixo de pontes, em terrenos baldios, prédios abandonados, sob marquises. Às vezes, a prefeitura recolhia os animais. Ele não se abalava. No momento seguinte, retomava a rotina de andarilho em busca de descartes. Pelo caminho, encontrava novos companheiros.
Claudete sonhava com cachorros. Grávida, recém agendara o primeiro ultrassom. “Gêmeos”, garantiu a vizinha encarquilhada que interpreta sonhos. “Cusco tobiano, preto manchado de branco, nascem dois homens. Tobiano amarelo, duas mulheres. Baio, castanho, vem um casal”. Queria contar a novidade ao marido. Motoboy de pizzaria, dobrava o turno para economizar. Enxoval, maternidade.
No primeiro movimento da batalha, estrategista, Claudio cedeu terreno. Mãe e filha impuseram o cão. A guria trouxe o bicho. Presente da amiga de escola, vizinha do condomínio. A outra providenciou ração, potes, petiscos. À revelia, pois a decisão seria em conjunto. Sem problemas, portanto, se o portão for esquecido entreaberto e o animal escapar. Furtado, eventualmente. Nunca se sabe.
Claudionor resolveu celebrar. Sensação de dever cumprido. Finalmente, livres do último filhote. Nunca mais o estorvo. Haviam decidido castrar a mascote. Antes de ligar para o tele-pizza, anotou os sabores desejados pela família. Meio metro, borda recheada. Todos adoram Catupiry. Aliás, nome da poodle. Tratada com esmero, feito gente. Emprenhara por descuido. Um gaiato, sem raça definida, invadiu o pátio e fez o estrago.
Claudiomiro acreditou que estava com sorte. Conforme escorriam as horas, andava pela cidade e confirmava a impressão. Fazia semanas que não encontrava tesouros no lixo. Descobriu panelas, fios, canos e conexões de cobre. Renderiam pedras de crack. Também recolheu um novo companheiro. Filhote ainda, meio estranho, mas simpático. Estava no meio da rua, defronte a um condomínio de casas.
Claudete resolveu telefonar para o serviço do marido. Ele não gosta de receber ligações no trabalho, mas era tarde e passava muito da hora. Àquela altura, deveria estar em casa. Fez a ligação e soube do acidente. Levado ao pronto-socorro, não disseram em qual situação. Parece que atropelou um catador de lixo, desses que perambulam com cachorros à volta.
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