QUANDO ELES CHAMAM


O CONTO DA CORUJA CABURÉ - Sesteava domingo à tarde. Em minha ilha particular, no sonho muito agradável, irrompeu a voz imperativa. “Acorda! Precisamos de ti”. Maldita hora. Sobressaltado, despertei cambaleante. Entorpecido em sonolência, perambulei. Banheiro, água fria no rosto. Cozinha, café forte. 

A ordem, ao invés de esvaecer, martelou à exaustão. Não encasquetei, viesse o que viesse. Lógica de entendimento inapropriada à razão deste mundo. Apesar da previsão de chuva, fui pedalar à orla do Guaíba. Na largada do roteiro, revelação e desdobramento vieram a mim. 

A quinhentos metros de casa, junto à ciclovia, em pleno asfalto, aconteceu que avistei uma carteira atirada ao chão. Dei a volta, catei. Documento de identidade, cartão eletrônico da passagem escolar. Zero dinheiro, nada em moedas. Nenhum outro item de valor material.  

No nicho reservado às cédulas, anotações em papeluchos e a oração de Santo Expedito. Além da mandinga, consagrada em penacho de coruja caburé. De posse dos objetos, conhecendo o nome do desafortunado, deduzi que poderia desovar na delegacia de polícia.  

Por domingo, não obtive sucesso. Estavam os policiais no prédio, mas não havia atendimento ao público. De minha parte, motivação intuitiva, ao invés de deixar a carteira em lugar visível, talvez o capô de alguma viatura, segui adiante. Pedalei com ela à cintura. 

Rodei, não encontrei opção. Caixa-coleta dos Correios, por exemplo. Único jeito, retornar à delegacia. A meio caminho, contudo, vejo murcho o pneu dianteiro. Defronte a uma praça, encosto para verificar a pressão na câmara de ar. Famílias, enamorados, cachorros à guia, crianças em tropelia esganiçada.

Logo à frente, entre os caminhos da área verde, percebo um jovem que olha para o chão. A mim, parece que procura algo. Coça a cabeça, espia de lado, resmunga sozinho. Se é quem imagino, certamente vai desnorteado. Mocorongo. O que recolhi foi encontrado a quilômetros. 

Retiro a carteira da cintura, espio a foto. Me aproximo, lentamente. Em tom imperativo, do mesmo jeito que fui expulso do paraíso onírico, grito nome e sobrenome. “Fulano de tal”. Assustadiço, vira-se imediatamente. “Perdeste alguma coisa?” 

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