DOCUMENTÁRIO


O produtor do filme veio falar conosco. Estão levantando tudo sobre o caso do pai Timbó. Morte bárbara. O pênis e os testículos nunca foram encontrados. Houve versões paralelas. Uma das teses, reforçada pela ausência dos órgãos genitais, apontava um crime relacionado à magia negra e coisas do gênero. A outra linha de investigação sustentada pela polícia admitia uma hipótese passional, considerando a notória virilidade do babalorixá. Vingança por traição, disseram faz quinze anos. 

Minha esposa costumava visitar a casa de umbanda com certa regularidade, até quatro vezes por semana. E não estava só. Vinha gente da Capital atrás de uma cura milagrosa. Doenças do corpo e da alma tratadas com receitas que resultavam em beberagens e infusões de ervas ou unguentos malcheirosos. Eram os espíritos, segundo ele, responsáveis por todas as fórmulas e medidas. 

Incrível como as coisas se alteram repentinamente e nos obrigam a uma adaptação nem sempre tranquila. Na faculdade, cheguei a idealizar o jornalismo sério, investigativo, ouvindo todos os lados da notícia. Sonhava com uma profissão que fizesse diferença, como no caso daquele escândalo que derrubou o presidente norte-americano. Engraçado como na juventude a gente pensa em bobagem. A utopia do jornalismo imparcial deixou de existir no momento em que herdei a emissora de rádio do meu avô. Também na vida nem sempre dizemos a verdade. Importante é construir uma versão sólida para os fatos. A maioria das pessoas não questiona o noticiário. Ninguém suspeita do que o jornal diário publicou na véspera. 

Duvido que esse documentário alcance a verdade. No máximo, teremos a visão do diretor prevalecendo sobre todas as coisas. Ele dará forma àquilo que os outros enxergam, da maneira como deseja mostrar, escolhendo enquadramentos e ampliando vozes supostamente elucidativas, após anos de dúvidas que nem a polícia dirimiu. 

Se as pessoas ouvidas no filme realmente soubessem o que aconteceu naquele dia, se tivessem certeza de alguma coisa, teriam ajudado a polícia nas investigações, e o crime estaria resolvido. No que diz respeito a mim, não há o menor receio quanto aos mortos. São os vivos que me preocupam. E aquele bruxo nunca me enganou. Não é porque morreu que vira santo na minha igreja. Durante meses o filho da puta tomou dinheiro da minha mulher, que na verdade era meu, prometendo uma “cura” espiritual. Para os que conviviam como ela, impossível notar qualquer alteração que justificasse sequer uma visita ao posto de saúde. Na dúvida diante do provável engodo, avaliei a possibilidade de que realmente estivesse com algum tipo de enfermidade. 

O poder da informação é capaz de mudar o rumo das coisas. Nesse documentário, por exemplo. Durante uma hora e meia, eu e minha mulher conversamos com o diretor do filme e sua equipe. Gravamos em casa. Ao final, talvez sejam aproveitados dois ou três minutos de cada um, ou nem isso. O que eles nunca vão saber é que mantive em segredo a informação que poderia fazer diferença. Decerto esse tal cineasta deve ter pensado que sou idiota e manso, como os outros maridos das clientes do falecido Timbó. 

Hoje em dia, minha esposa e eu frequentamos a Igreja Universal. 


*Escrito em 2005. Publicado em 2006 no livro de contos “No Orkut dos outros é colírio”. Editora Casa Verde.

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