TEJADA


Tens razão. Viajei à praia no final do ano esperando te encontrar na casa. Era uma chance para nós, como nos velhos tempos. Ninguém falou que tu irias, nem o contrário. Uma certeza inexplicável me fez largar tudo e partir, na esperança de tentar uma reaproximação ou até mesmo propor que nos reconciliássemos. 

Não comentei nada a respeito com ninguém. Teria pouco a dizer sobre nós àquela altura. Ainda hoje não consigo entender o que houve e porque estamos separados, se todos achavam que iríamos acabar como dois velhos burgueses à beira da praia: eu pescando e tu fazendo palavras cruzadas, embaixo do guarda-sol, com filhos e netos à volta. Para onde foi aquele ímpeto que nos consumia, exigindo a presença um do outro?  

A casa estava vazia quando cheguei. O zelador abriu o portão. Fez uma cara esquisita ao me ver passando. Deve ter estranhado eu sozinho, com a velha bolsa preta da Adidas e o porta-malas abarrotado de carne e cerveja. Naquele primeiro dia fiquei à volta da piscina, até o final da tarde. Depois fui à praia. Fiz o mesmo trajeto de sempre, pela curva do rio, onde passam os barcos de pesca. Sentei naquela pedra em que a gente parava e fiquei olhando a água, exatamente como tu fazias, esperando a passagem do boto e a correria dos pescadores, atirando a tarrafa em busca dos peixes que ele persegue. Depois me achei ridículo e doentio, repetindo sozinho as mesmas coisas que fazíamos juntos e imaginando um recomeço, como se a visita àqueles lugares fosse uma espécie de mandinga ou prova de fé.

Ter ido sem convite ou aviso não me pareceu indelicadeza, nem incômodo, embora tenha percebido que alguns ficaram surpresos ao me ver, como se estivessem constrangidos com a minha presença, ou soubessem de alguma que até então eu desconhecia. Depois, a casa ficou cheia e tudo parecia ter voltado ao normal, exceto pela tua ausência. 

Não sofri nenhuma desfeita, nem ouvi qualquer tipo de grosseria. Ao contrário, fui tratado como se ainda fosse da família. O único inconveniente era o marido da tua prima. Tomou todas e resolveu me alugar na noite anterior a tua chegada. Teve a cara de pau de recomendar cautela e sugerir que não me surpreendesse, se por acaso te encontrasse mudada. Não dei bola, óbvio. O cara é mesmo bebum e ninguém nunca o levou a sério. 

Tuas irmãs, sim, pareciam solidárias comigo. Me olhavam sempre de canto, fazendo cara de piedade. Exatamente como tu, quando encontrou aquela cadela no meio da rua e resolveu trazer pra dentro de casa, independentemente de qualquer argumento contrário. Aliás, um dos teus sobrinhos chegou a comentar sobre nosso cusco, o verdadeiro, e de como ele se enfureceu depois que a gente separou, mordeu tua mãe e hoje está praticamente fora de controle, preso no canil. 

Tinha apostado naquele final de ano na casa. Estarmos juntos outra vez poderia reavivar alguma coisa, desfazer a má impressão dos últimos tempos, apagar o rancor encruado. Talvez pudesse até redimir nossos erros, trazendo de volta a paz. Eu nunca mais sacrificaria nada por causa do trabalho, prestaria mais atenção nos detalhes e jamais esqueceria o que fosse importante, como fiz no dia do nosso aniversário. Esqueci, como também não liguei para desejar boa sorte na defesa mais importante da tua carreira, que acabou inclusive definindo para melhor a situação financeira lá em casa, naquela época. 

Eu me preparei para o feriado, apesar de tudo. Depois de meses, considerando que nunca brigamos de forma violenta, inapelável, pensei no retorno como uma questão de tempo. Nós chegamos a almoçar duas ou três vezes, numa delas fomos pra cama e nunca deixamos de falar ao telefone. Além disso, a boa recepção das tuas irmãs e dos nossos amigos pareceu um indicativo bem realista, como se aquela certeza inexplicável não tivesse sido mais uma das minhas intuições pífias.  

Ter ido embora antes da virada do ano, acredite, não foi esquisitice. Verdade que saí para comprar cigarros e desapareci, com a roupa do corpo e o celular desligado no porta-luvas. Minha atitude intempestiva, enigmática, não dá direito às pessoas acharem que enlouqueci. Também não foi de propósito que aconteceu. Problema é que te vi no armazém do Tejada, junto com teu namorado, exatamente na hora em que fui comprar a maldita carteira de cigarros. Percebi que vocês recém haviam chegado na cidade. Ainda bem que não me viram. Nem imagino qual teria sido minha reação. Preferi entrar no carro e fugir. Não do teu namorado, que é bundão e talvez nem reagisse. O que me deixou perplexo foi aquela barriga de grávida, sempre negada a mim, durante tantos anos. Hoje em dia, de tudo que vivemos, guardei apenas uma gaveta cheia das tuas calcinhas. O resto das coisas atirei pela janela. 

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