Em 2004 desengavetei escritos e abordei, tardiamente, a barca dos “novos autores” que povoaram a internet brasileira em meados do século. Neste movimento interagi com estreantes e veteranos, estive em publicações online, migrei para o livro, participei de coletâneas, me lancei em voo solo e aterrissei silenciosamente no breve passeio de planador.
Em 2017 será publicado meu primeiro romance. Dois novos livros de contos aguardam editor e já estou empenhado na pesquisa da próxima narrativa longa, um romance histórico que irá consumir anos de trabalho, incertezas e angústias. Quixotesca armada invencível.
Por tudo isso reproduzo a correspondência eletrônica com o escritor Amilcar Bettega Barbosa, autor reconhecido e premiado, ex-colega na Oficina de Criação Literária da PUCRS, coordenada pelo generoso Luiz Antonio de Assis Brasil.
Ensinamento sobre a tenacidade anímica do escritor. Publicado originalmente em 2004, edição 19 do extinto blog “CACOS - o ofício solitário do autor”.
E-mail de Amilcar Bettega Barbosa:
“Meu querido amigo Ricardo (não te chamo de Caco, nem de Villar Belmonte, porque sempre te chamei de Ricardo nos tempos de oficina e como faz alguns anos que não falamos, para mim é como se agora nos transportássemos de novo para aquele tempo).
Mas que grande satisfação ter notícias tuas! Obrigado pela felicitação e fico contente também em saber que tens acompanhado o meu trabalho. Tu sabes bem que é um trabalho duro e que a gente nunca tem nenhuma garantia de que vai dar certo. Mas o mais importante, acho, é acreditar plena e cegamente no que se está fazendo. Se depois o trabalho será reconhecido ou não, se ele tem valor literário ou não, isso é outra coisa. Outra coisa importante, sim, muito importante, mas acho que ainda mais importante é o sentimento de fazer algo que traduz fielmente o que a gente é, algo que é a gente mesmo, nossas convicções, nossa maneira de ser, nosso sangue, nossa gana, nossos defeitos, nossa luta para nos darmos um sentido. Acho que se atirando assim, fica mais fácil de chegar ao resultado. Mas isso vale em tudo o que se faz, não só para literatura. Se tu tens esse sentimento de que "algo está faltando" vai atrás, tenta descobrir o que falta. Quando suprires isso, vais ver que falta outra coisa. E ainda bem que é assim, não? Do contrário a gente seria apático!
Acho que de fato não dá para ter pressa quando se trabalha com literatura. Não conheço outro tipo de trabalho que exija tanto tempo, tanta paciência, tanto silêncio. Mas não ter pressa não é sinônimo de acomodação. Tenho certeza de que se o que queres de fato é ser um escritor, se sentir um escritor, vais chegar lá.
Mas isso de se sentir escritor é supercomplicado. Eu, por exemplo, vivo duvidando de que mereço de fato ser chamado de escritor, vivo tentando me provar que sou escritor. Passo longos períodos sem escrever, sem nem mesmo sentir vontade de escrever, e isso me angustia terrivelmente. Agora mesmo é um desses períodos. Faz um ano e meio que não escrevo absolutamente nada de novo, nenhum conto, nada! Tento, mas sinto que o que me sai é frouxo, chocho, falhado.
Tem sido assim há dez anos (o que não é muito em termos de experiência, quando o assunto é literatura), desde o momento em que botei na cabeça que queria ser escritor. Continuo querendo ser, continuo acreditando que posso ser, mas a dúvida é permanente. Lá pelas tantas acontece um milagre, sinto que tenho algo vivo sobre o que escrever. E escrevo e sinto que é bom, que tem algum valor. Dura pouco tempo e depois tudo se esgota, um vazio imenso começa a me martirizar novamente. Nunca sei se o milagre vai acontecer de novo. E é essa dúvida que me mata — mas também pode ser ela que me mantém vivo e na luta.
Abração para ti do amigo Amilcar
PS: sim, estou na França desde o fim do ano passado."
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