UM AUTÓGRAFO PORTALUPPI


Situações inacreditáveis, desprovidas de sentido e repletas de significância ao mesmo tempo. Profundidade filosófica. Algumas das mais interessantes eu coleciono do mundo futebolístico. A última, vieram contar outro dia, recebi exalando frescor, passados minutos desde o ocorrido. Entre a ingenuidade e o zelo, a inesperada picardia resolutiva do gaiato. Um bandalho desconhecido.

No bairro Ipanema, em Porto Alegre, existe um tradicional posto de combustíveis (anexo funcionam uma loja de ferragem e o restaurante que serve sushi). É perto do Santuário Nossa Senhora Aparecida. Ali, faz alguns meses, por detalhe não houve a tragédia inesperada. Dois frentistas, em horário de folga, se atracaram a tapas e empurrões por brincadeira, feito adolescentes. Resultou que um deles caiu e bateu a cabeça e terminou hospitalizado semanas, depois retornou ao trabalho com salvas e promessas de cuidados recíprocos. Imprudente, a ponto de sofrer o desnecessário revés, nosso desafortunado voltou em saúde, retomando inclusive a antiga e propalada condição de avoado, segundo relato de colegas e amigos, atestado por quem me contou o desfecho a seguir.

Renato Portaluppi, desde os anos 80, possui imóvel no valorizado Jardim Isabel, que se pretende emancipado do bairro. Ali reside um dos irmãos do eterno ídolo gremista. Por óbvio, força do tempo e convivência, tornaram-se os Portaluppi clientes muito bem-vindos, mantendo inclusive relações de amizade com alguns comerciantes, como acontece na ferragem citada no parágrafo acima, cujo proprietário tem o hábito de tomar chimarrão às portas do estabelecimento junto a compadres, dentre eles o irmão tricolor.

Certo dia, por esquecimento, a sobrinha de Renato abasteceu o automóvel no posto de combustíveis e saiu sem pagar. Trouxera na bolsa a carteira sem dinheiro, havia esquecido os cartões de débito e credito. Por coincidência, fora atendida pelo frentista recém reabilitado. “Moço, pelo amor de deus, pega aqui o meu RG, eu volto em minutos”. O rapaz, atônito, conferiu a identidade da cliente. Ao perceber o sobrenome, questionou se havia algum parentesco. Ouviu a confirmação e não hesitou, na mesma hora sacou um bloquinho de vales, devolveu o documento, preencheu o valor e entregou à moça, aludindo sempre à verdadeira devoção dedicada ao mítico treinador, o professor Rei do Rio. Não poupou elogios, até o momento em que, finalmente, recebeu a garantia verbal de que o autógrafo estava assegurado. 

No dia seguinte o jovem tirou folga e a sobrinha de Renato não apareceu. Ficou por isso, até a data de pagamento dos funcionários, quando o frentista futebolista verificou um elevado desconto no contracheque. Correu ao escritório e reclamou. Equívoco no holerite. Saiu cabisbaixo, direto à ferragem contígua: última esperança depositada no amigo do irmão de Renato. Via celular o dinheiro ficou acertado, viria dali a alguns dias, com direito a autógrafo e dedicatória do técnico do Grêmio. Exultante, correu e alardeou o destino previsto à garatuja no papelucho. “Um belo quadro no ponto mais nobre da casa”, a mulher que não se atrevesse a questionar. 

E assim fez. Quadro instalado, com direito a registro no Facebook, o pimpão ao lado da relíquia. Único problema é a autenticidade, pois o irmão de Renato esqueceu de pedir o autógrafo a Portaluppi, apenas ressarciu o dinheiro e partiu, deixando o dono da ferragem, o incumbido da tarefa de receber as duas coisas, sem ter o que dizer ao frentista. Por sorte, justo naquela hora, estava a fazer compras na loja um velhaco, conhecidíssimo na região, cuja sagacidade e presença de espírito deram cabo à questão. “Me arranja um papel em branco e resolvo o problema”. 



Texto em edição, obrigado.

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