RIO 40°

Conversa de botequim: escritores em Paraty (II Festa Literária Internacional - FLIP 2004 ).

Faz quatorze anos. O Rio de Janeiro também vivia uma efervescência, mas era ebulição literária. Bom momento noutros estados também. Regredimos muito, desde então, em todos os sentidos. Abaixo, reproduzo entrevista com o escritor e editor Flávio Izhaki. Diálogo por meio do ICQ, tecnologia que os muito novos e novíssimos desconhecem, senão por ouvir falar. O bisavô do What’s APP.


Cacos – O ofício solitário do autor desconhecido. 
Edição TRINTA e OITO
Segunda-feira, 27 de setembro de 2004

§ 
Horizonte cinza, laivos de azul.
O bicho homem é filho da puta. Renitente, consegue se adaptar às situações adversas e abre caminho à força, cruzando sendas inescrutáveis, onde os bravos cagam nas calças e os covardes sucumbem.
Viver, acumular experiências, sentir as coisas e depois manchar a tela sem compromisso, ou sofrimento. A tentativa despretensiosa nos protege do engano. Em literatura, o que tem valor ganha vida e foge ao controle.
Trabalho, disciplina.
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CACOS ENTREVISTA
V.01
Nesta edição, inicio a publicação de uma série de entrevistas. Perguntas e respostas via ICQ, reproduzidas na íntegra, respeitando eventuais erros de digitação. A primeira vítima é o escritor Flávio Izhaki, do Rio de Janeiro. Ele é um dos responsáveis pela edição da obra “Prosas Cariocas – Uma nova cartografia do Rio”, juntamente com o jornalista e escritor Marcelo Moutinho. O livro, lançado pela Casa da Palavra, reúne contos e crônicas de 17 autores sobre 17 bairros do glorioso Rio de Janeiro.


cacobelmonte  (11:43 AM) : 
"Prosas Cariocas - Uma nova cartografia do Rio", de certa forma, reedita em livro o mapeamento realizado pelo site Paralelos, na Primavera dos Livros do ano passado, quando se localizou e reuniu a "nova" literatura do Rio. A idéia do livro também era essa, ou o livro não chega a cobrir todos os novos autores, e será preciso uma segunda edição para contemplar a todos ?

Flávio  (11:53 AM) : 
A Paralelos proporcionou uma visibilidade para essa leva de bons autores que o Rio tinha escondido (especialmente os inéditos). O Prosas Cariocas busca revelar alguns desses autores para um público mais amplo e agregar outros que já estão em fase mais avançada da carreira (livros publicados, prêmios). São projetos co-irmãos, mas a coincidência de nomes não é tão grande assim. Apostamos em nomes desconhecidos que achamos que valiam a pena e outros que eram pessoas consagradas no meio. Mas a proposta do livro é desvelar o Rio através da Literatura. O mote de bairros é simples, mas o livro consegue alcançar seu objetivo nisso. Sobre segunda edição (“bairros volume II”), acho que o natural é procurar outro mote, independente da repercussão que esse livro alcance (e sem a barreira de só ter escritor carioca).

cacobelmonte  (11:56 AM) : 
O apoio da Casa da Palavra foi imprescindível, ou o livro sairia de qualquer jeito, mesmo independente ?

Flávio  (12:05 AM) : 
Essa é uma pergunta interessante, porque eu sou a favor dos livros, individuais, independentes, para o autor mostrar seu trabalho, mas não acho que essa seja uma boa aposta para livros que pretendam ter uma tiragem comercial (pelo menos dois mil exemplares).
Procuramos ser profissionais durante todo o processo (reuniões, escolha de autores, prazos) para mostrar que o novo autor pode ser comerciável. Acho que o mote ajuda isso. Se fosse uma coletânea com textos dos mesmos 17 autores venderia menos com certeza.
Vendemos uma idéia de um projeto para a editora, que gostou e topou fazer (pegando todo o processo editorial). Se o livro vender bem, acho que atrairá a atenção de outras editoras que tem receio de apostar no novo. Ou seja, vai ser melhor para todos.
Estamos num momento de efervescência de novos autores, mas as editoras ainda estão muito reticentes em investir neles. Precisamos mudar isso. E só com trabalho de qualidade conseguiremos.

Flávio  (12:08 AM) : 
Vc entendeu o que estou querendo dizer...ou estou parecendo muito interessado em vendas?

cacobelmonte  (12:10 AM) : 
Entendi perfeitamente.
Li no GLOBO que o projeto teria nascido de uma indignação do Moutinho, que tem dois livros publicados "sem repercussão alguma". A presença de autores como o João Paulo Cuenca ajuda a "chamar leitores" e repercutir o livro ?

Flávio  (12:18 AM) : 
Sem dúvida que ajuda ter nomes que não soam completamente estranhos para o público literário, como a Adriana Lisboa, Cuenca e Bianca Ramoneda, mas esses próprios escritores sabem que, infelizmente, o nome deles ainda não ultrapassa a barreira formada pelo grande número de brasileiros que não lê literatura contemporânea (e olha que nem estou falando da massa que sequer sabe ler).
Todos aceitaram o convite na hora, escreveram contos muito bons e ficaram felizes de participar.

cacobelmonte  (12:22 AM) : 
Bairros clichê foram deixados de lado. Foi opção editorial ou casualidade ?

Flávio  (12:29 AM) : 
Nossa proposta era não fazer um livro da (e para a Zona Sul). Desde o início pensamos em equilibrar bastante os bairros por região (colocando Pavuna, Maracanã, Lins, Jacarepaguá). Lógico que conforme convidávamos os autores, eles iam escolhendo os bairros, e por isso entraram Leblon e Gávea, por exemplo, que são locais bem classe alta. Mas mesmo nestes contos, vemos que os autores não fizeram nenhuma ode a cidade. Pelo contrário: com a licença de quem mora e conhece o lugar, a pessoa tem mais liberdade para expor suas histórias, problemas e peculiaridades.

cacobelmonte  (12:36 AM) :
Pra encerrar, algumas perguntas de ordem prática: qual foi a tiragem do livro, quando tempo levou o processo editorial - desde que tu e o Moutinho tiveram a idéia - e se tu já tens condições de fazer uma avaliação, sobre a repercussão da obra (ou pelo menos a receptividade da imprensa) ?

Flávio  (12:45 AM) :
O livro tem edição de 2.000 exemplares (acho - podem ser 2.500 - te falo quando souber). O processo durou seis meses, já que levamos a idéia em março, mas nossa idéia inicial era lançar em julho, na FLIP, mas deu uma atrasada por questões da editora (os contos já estavam 90% prontos). Sobre a recepção, inicialmente foi bem legal, com a matéria no Prosa & Verso, Veja Rio, entrevista na Rádio CBN e nos cadernos do jornal de bairros do Globo. Além de notinhas na Folha SP, Globo e em vários blogs, que também são um meio de divulgação muito bom. Vendemos cerca de 200 exemplares ontem (27 reais cada livro) e ainda queremos vender muito mais no segundo lançamento. Vamos trabalhar para que o livro tenha ainda mais repercussão e esperamos para saber qual será a opinião da imprensa especializada sobre ele.

cacobelmonte  (12:46 AM) : 
Legal. Obrigado pela entrevista. Nos vemos em dezembro, aí no glorioso Rio de Janeiro.

Flávio  (12:46 AM) :
beleza, caco. a gente se fala.




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