UM AMIGO


Vinha distraído na calçada e reconheceu a voz do passado que gritou seu nome pela janela do carona num automóvel preto. Olhou para trás, luz de ré acesa. Parou e esperou junto ao meio fio na avenida movimentada. Desceu uma mulher, os dois se abraçaram forte. Algumas palavras, ela abriu a porta traseira e mostrou a menina na cadeirinha de segurança. O homem acenou, disse uma frase engraçada para quebrar o gelo.

“Olá, pequeno terráqueo desconhecido”.

A menina riu, a mãe também. Percebeu o avô da criança ao volante. Por entre os bancos, apertaram as mãos. E o tempo inteiro os olhinhos acessos, um brilho de inocência na curiosidade transbordante. O carro se afastou, ela continuou espiando pelo vidro traseiro, aquele desconhecido no sentido inverso, rumo contrário.

“Quem é ele, mãe?”

“Um amigo.”

E o avô desviou o assunto, sem explicar que se tratava do homem com quem a filha vivera mais de dez anos, muito antes dela nascer e antes mesmo de papai e mamãe se casarem.

“Quando tu fores maiorzinha, vovô te conta a história desse amigo da mamãe.”

Pai e filha se olharam. Uma piscadela confirmou o segredo.

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