A MESMA LUA
Engraçado. Olhando a lua daqui, todo mês de dezembro, ano após ano, sempre lembro da noite em que balearam a mãe. Eu acredito na eterna evolução do homem, apesar de alguns inevitáveis retrocessos. Comigo não foi diferente. Vim de baixo e alcancei uma posição. Importante ter boa posição, hoje em dia, independente do que fizemos para subir.
Nem tudo de errado na vida tem conserto, sobretudo se o problema reside dentro de nós, naquele lugarzinho ermo, quase inatingível, como se fosse uma peça quebrada e sem reposição no estoque. No meu caso foi assim.
Viemos de fora. Quando chegamos não conhecia muita coisa. Tudo naquela época era difícil. Com o tempo, fui me ajeitando. Compreendi o essencial, estudei um pouco. E continuo aprendendo. Invisto em leitura todo minuto disponível. Há muitos livros por aqui. Gosto de ampliar meus conhecimentos. É a única coisa que me diferencia da mediocridade deste lugar.
Depois que voltei, nesta última vez, por necessidade de sobrevivência, precisei retomar uma atividade dos tempos de juventude. Essa habilidade nata me garantiu a integridade física nos primeiros tempos. Não que me considere velho, aos quarenta e cinco. Problema é a resposta do corpo, mais lenta, reflexo preguiçoso. Hoje não me preocupo, os outros fazem tudo por mim.
Sou importante na sociedade. Acredite. Jornais já escreveram a meu respeito. Até um governador veio falar comigo. Pediu que eu fosse uma espécie de negociador e intermediasse as coisas por aqui. No final, deu tudo certo. Cresci na parada. Agora, ninguém faz nada sem antes vir falar comigo.
Aprendi nos livros que existem vários conceitos novos, diferentes do meu tempo. Hoje em dia, se fala em Qualidade Total, minimizar riscos e otimizar os lucros. Eu sempre operei dessa forma, mesmo sem ter consciência do que estava fazendo. Talvez por isso ainda esteja no comando. Logo serei velho, outros virão. Inevitável.
Por enquanto, ocupando essa posição, posso me dar ao luxo de sentar perto da janela, confortavelmente instalado, tomando minha gelada e curtindo a lua cheia. Incrível. Gigante e luminosa, exatamente como no dia em que balearam a mãe.
Acho que só um homem bem-sucedido pode se dar ao luxo de ficar admirando essas coisas. Quem ainda não alcançou seus objetivos de vida não deve ter muito tempo para o supérfluo. A bem da verdade, se não tivessem baleado a mãe, jamais teria chegado aonde cheguei. São os desígnios. Aprendi essa palavra outro dia, lendo após o almoço. Espero que esse palavreado sirva pra alguma coisa, daqui a três anos, quando estiver lá fora.
Leia também, da mesma obra:
A última volta do Parafuso
Doze Paicas
Comentários