CHUTA QUE É MACUMBA



Nenhum animal se aproxima do ser humano por amor. O cachorro veio do lobo e tudo se iniciou com o interesse por comida. O caçador desejava aprimorar os métodos de caça. O animal livre tornou-se escravo da facilidade em arranjar alimento. Não havia amizade e os “laços seriam desfeitos” pelos animais, caso as tribos caçadoras não continuassem facilitando essa parte. Hoje em dia o gato doméstico foge, caso os potes de água e ração permaneçam vazios por muito tempo. Se não conseguir fugir e continuarem negando comida ou escape, poderá atacar. O canídeo é amigo de quem o alimenta. Mas, o bicho homem não é amigo de quase ninguém, embora ame e cuide dos seus animais de estimação.

Houve uma época, não faz muito, apenas algumas décadas, em que os cachorros viviam nos pátios, comiam restos de comida e arroz tipo C cozido com bofe, ou fígado e cabeças, pés de galinha. E todos os gatos tinham bolas, boa parte morria em combate contra outros machos, voltavam para casa despedaçados. Num dia surgiam sem um pedaço da orelha, no outro um olho vazado, ou pendurado fora da órbita, até que finalmente nunca mais apareciam. Só os fortes chegavam a dois anos, raros longevos como os felinos castrados que vivem hoje em apartamentos com seus brinquedos, redes protetoras nas janelas. Boa parte do tempo, dormitam.

Não ouso entender, embora tenha alguma pretensão de entendimento. Eu apenas estava lembrando como era. O julgamento de valor não me compete. "Tecnicamente", olhar o ontem com os olhos de hoje é leitura complicada. Não arrisco, deixo para os outros. Apenas entendo que o homem está humanizando os animais e animalizando o próprio homem. Me parece mais fácil, pelo que vejo das pessoas, amarem aos cães e gatos, ao invés de outras pessoas. Não é regra, mas observo isso com atenção

Humanos selecionam quais espécies animais serão amadas, quais serão comidas e exploradas, servirão de cavalgadura ou prestarão serviços de tração. O leão ninguém afaga, nem o tubarão branco, embora ambos sejam abatidos pelo homem. Quase tudo se encaixa na natureza, menos o homem "civilizado", que precisa destruir e quase nada repõe, só retira e estraga. Sem a virulência do “progresso”, a biodiversidade se retroalimenta.

Muitos criticam sacrifícios em rituais religiosos, mas entendem normal o sofrimento de cobaias. A ciência maltrata com outorga. Em nome da civilização, podemos fazer qualquer coisa. Em nome do sincretismo, não, porque já se convencionou que tudo é bárbaro, ultrapassado e não faz mais sentido, em pleno século XXI, ainda mais “se eu não estiver diretamente envolvido na crença”. A questão da sujeira, os animais apodrecendo na rua, juntando moscas e cachorros à volta, com certeza é o motivo que causa maior rejeição e perplexidade, indignação. E com razão! Afinal, o fedor que resta é compulsório e os não-religiosos arcam com o prejuízo, a cidade inteira perde.

Não nos importamos com as cobaias de laboratório, nem com a maneira como são tratados animais em frigoríficos, ou aviários, desde que a carne e os ovos cheguem no supermercado e nós possamos consumir. Se levar isso ao pé da letra, preciso condenar a civilização inteira. Não existiria o mundo como conhecemos, sem a exploração impiedosa de todos os sencientes não humanos, e de muitos humanos também.

Como eu posso vetar sacrifício de sangue por sincretismo, se eu como o Peru de Natal católico, mantenho o hábito carnívoro de reunir com família e amigos para o churrasco? Isso é patrimônio imaterial, os animais morrem do mesmo jeito. Os sacrifícios da Bíblia, por exemplo, no Velho Testamento, pressupunham consumo da carne. Só eram descartadas graxa e vísceras, que nós aprendemos a fazer iguarias. Complexo. Sou favorável sim, acho que a questão está na sujeira que fica, e no preconceito daqueles não-praticantes. Eu não pratico, mas poderia.

Os ácidos dissolvem a razão no meu estômago. Da galinha poedeira aprisionada surge o ovo do meu xis bacon, que veio de um porco infeliz. Mas eu sigo em frente, cheio de razão e filosófico. Domingo é dia de churrasco e o gado confinado tem a carne mais macia. Linguiça cortada a faca, tripa bem sequinha, depois de pingar a gordura na brasa com direito a barulhinho e odores que atiçam.

Comentários