Por Chivona La Huevona*
Acho que vou direto tomar umas geladas. Ah não! Que mulherzinha cagona. Trancou a porta embaixo também. Minha chave sempre emperra na segunda volta. Consegui! Só faltava quebrar essa naba, não poder entrar e tomar um banho. Hoje tenho que agilizar meu esqueminha. Estou enrolando demais a ninfeta, não preciso mais ter medo dessa vaca da Tina.
Bah! Passei os pés no tapete da entrada. Vou ter que ouvir a histérica xingando, mandando lavar essa merda. Aqui na cozinha, tudo limpo. Para isso ela presta. Hoje, até lavou a minha parte da louça. Que porra de papel é esse grudado na porta da geladeira? Dieta Detox! Essa mina tá estranha. Bem que percebi, chega sempre com sacola de roupa nova, academia, dieta. Deve ser medo que eu corra ela de casa ou, então, querendo reconquistar o maridão aqui. Até rola seguir assim, dar um jeito de pegar por fora. Seria uma desculpa razoável e não preciso assumir ninguém.
Ah não! Cadê minha cerveja? Deixei meio fardo gelando a semana inteira. Não lembro de ter tomado nenhuma lata. A faxineira é crente. Então, só pode ter sido a Tina. Que chinelagem! Sozinha, não pode ter matado todas. Tem aquelas dores de estômago por causa do estresse. Afinal, quem esteve aqui? As frescas das minhas cunhadas só bebem espumante. As amigas têm filhos pequenos e só aparecem nos fins de semana.
Bem, agora não adianta, a ceva bailou. Vou tomar banho e tentar sair de casa, antes que volte. Aqui no banheiro, abro o chuveiro e deixo correr a água quente, vaporzão ajuda na barba. Enquanto isso, esvazio o tanque. E mijo de propósito na tampa para a Tina se foder. Mexeu com a minha cerveja, não tem perdão. Ela que limpe. Os nervos à flor da pele, a fúria saindo pelos olhos. Se bem que, nervosa, está faz tempo. Eu percebo pela quantidade de cabelo caído pelo banheiro. No piso, no ralo, na pia. Mina nojenta. Reclama de mim, mas também faz porquices.
Agora já passo entrar no box. Água fervendo e ... Porra! Que merda é essa, pendurada na torneira da água fria? Sempre a calcinha. Que mania. Mas só um pouquinho, essa coisa é muito diferente do normal. Qual é a cor dessa calcinha? Sei lá, não parece nenhumas das usuais, beges ou pretas, jamais outra cor. Agora essa aqui, toda estranha, meio rosa e meio roxa. E pequena, né? A Tina usando calcinha de vagaba e nem está dando para mim! Filha da puta. Cheguei a achar que ela queria melhorar as coisas entre nós. Ordinária, atirando por aí. Eu de corno, trouxa, não posso ficar!
Agora não sei se saio, chuto o balde e já como a guriazinha logo, ou fico em casa e espero essa aqui chegar, tiro satisfação. Pensando bem, melhor sair. Aqui não tem cerveja. Preciso esfriar a cabeça. Que sacanagem! Agora entendo. Essas latas, não tomou sozinha. Trouxe um macho para dentro da minha própria casa. E ofereceu a minha cerveja. Cretina! Se descubro quem é ... junto os dois num único soco. Pouco me importa o que vão pensar. Ela apanha sim, pela minha honra.
Chega de pensar, vou me concentrar no que tem pra hoje. Fazer a barba e agradar o “corpinho”, depois encher a cara. Ah não! Minha gilete nova? Essa cadela usou a lâmina na virilha. Já acabou com a minha cerveja, agora detona o resto da minha dignidade. Ainda por cima, dando pra outro toda lisinha, eu sempre pedi que pelasse tudo e nunca me atendeu. E nem trocava nem aquela calçola bege de velha gorda. Tem um escroto que já viu mais pedaços da minha mulher do que eu. Um calhorda odioso para quem ela se arruma e se depila, cheia de cuidados, cremes e o diabo a quatro. Como não percebi? Vou sair, antes que descubra mais coisas. E paro no primeiro boteco, bebo até esquecer a baixaria, depois saio atrás da gatinha. Se não, periga nem conseguir trepar.
Agora cheguei no bar e vou me sentar de canto. Não quero ver ninguém. Vou empurrar cervejas até dizer chega. Foda-se a azia. Mas ali, quem é? De longe, no caixa, comprando maço de cigarros. Sim, é a gostosa da Joyce. Amiga da Tina que não cresceu. Segue na noite, pegando tudo o que vê pela frente. Essa é louca! Mas um tesão.
Ela já me reconheceu, vem em minha direção. Será que desisto do encontro e saio com ela? Seria ótimo, esfregar isso na cara de Tina, a cretina.
- E aí, gato. Quanto tempo?
Convidei a sentar, pedi mais um copo e já está puxando assunto. Ainda não perguntou pela amiga, parece saber de algo errado entre nós. Sigo bebendo e sou gentil. Mas só até terminar a garrafa que dividi com ela.
- Que cara é essa, lindo? Vai parar por que?
Respondo que já havia bebido demais, estou com azia. Mas ela toma iniciativas. puxa a garrafa vazia do isopor, chama o garçom. Faz cara de nojo, ao perceber o rótulo que bebo.
- Bah! Brahma Extra de novo? Por isso a azia. Ontem falei com a Tina que vocês deviam trocar de marca. Brahma não dá pra querer. Eu até bebo, mas perco a noção e passo mal.
Deus do céu. Será que a Joyce perdeu a noção lá em casa?
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Sobre a autora, Chivona La Huevona*
Abridor de velhas latas à deriva. Não gosto de usar as palavras orientador e facilitador. O vocábulo mais apropriado, que também evito, seria “professor”, sem a conotação “eu falo e te calas para ouvir”. Prefiro pensar em troca, uma fluência que acontece por estímulo, açulamento do espírito, baseado em teorias e técnicas consolidas na academia, reconhecidas em Teoria da Literatura. A diferença, única e exclusiva, é que percorri os caminhos e mostro os atalhos no mapa. O resto é trabalho e dedicação. Apenas o talento, a pegada anímica da verve autoral, não é o suficiente para a maioria, senão a meia dúzia que nasce Mozart ou Rimbaud, geniais ainda nos cueiros.
Alguns desses autores e autoras que me procuram, e estudamos juntos, por meio de oficina EAD que ministro, fazendo também o papel de editor para produções autorais surgidas ao longo do processo, não apenas passar conteúdo e exercícios, não querem divulgar o trabalho resultante com os nomes próprios. Então, criamos pseudônimos. Não é oficina de arte terapia, embora haja o momento catártico da criação, em que o autor mergulha para dentro si, de onde faz emergir o que é formatado em ficção. Nada a ver com a imitação da realidade, apesar do dito consagrado. A arte não imita a vida, ela constrói o novo entendimento, baseado naquilo que o autor apreende em sua realidade.
Dito isso, eis o texto de Chivona La Huevona, autora de "Desatino", que é a sequência de "Afronta".
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