O editor me procurou para que eu fizesse o prefácio desta coletânea com dez autores que eu já conhecia de algum jeito, por ler ou cruzar por aí. Não me considero um escritor. No máximo, adapto um discurso direto em algumas músicas. É uma grata surpresa, como antigo leitor do gênero, poder compartilhar desse apanhado de ideias atraente. Prefiro chamar isso, então, de uma apresentação. Como se fosse um show ao vivo.
Antes de mais nada, ler para ver o que tinha nas mãos e aos olhos. Como no lugar onde eu estava não havia computador nem máquina de escrever, a partir do PDF enviado pelo telefone, fiz uma cópia das 70 páginas A4 com letras grandes para que eu pudesse manusear e levar para a frente do mar, onde tive a oportunidade de desfrutar da leitura, apesar de o vento, por vezes, querer atrapalhar.
Ao folhear o calhamaço, logo de início comecei a me interessar e penetrar nas histórias, além do mesmo ponto de vista de quem as havia escrito. De cara, identifiquei a linguagem de um mundo à parte e passei a me sentir um cúmplice a uma certa distância. Passei, então, a buscar uma visão de espectador, sem uma percepção apriorística ou pré-estabelecida que pudesse prejudicar a compreensão do que estava lendo. Isto permitiu que o texto fosse ditando seu próprio desenvolvimento metodológico e, assim, evitei, tanto quanto possível, que minhas referências teóricas influenciassem no resultado da minha degustação literária.
Me deparei com frases lapidares, personagens de familiar cretinice e grandes questões existenciais, assim como certa rudeza materialista convivendo com o lirismo espiritual. Como na complexidade de uma esquina onde pecados e virtudes se cruzam provocando ambiguidades na arte da convivência, indiferente aos fracassos e finais felizes.
Em alguns relatos, percebi referências que me tocaram. Uma identificação de ordem artística e filosófica sempre traz algum conforto e aquece a alma. Isso me aguçou os sentidos e, como se abrisse um portal, pude sentir a presença de Hemingway, Kurt Vonnegut, Asimov, Nelson Rodrigues, Galeano e outros. Cheguei a escutar determinadas melodias de Satie, Debussy e Coltrane, que serviram de trilha sonora para a degustação de uma ou outra cena. Também saltaram aos olhos texturas e cores vivas inebriantes de Renoir, Klint, Dali, Rivera e Portinari. Como uma viagem lisérgica, mesmo estando eu totalmente lúcido, pois não bebo nem uso drogas há tempos.
Certamente, quem escrever quer compartilhar suas vivências com alguém, do seu jeito. Pois a crônica que aqui experimentei não se define nos limites da ABNT. Transcende conceitos em prol de novos objetivos. Menos se preocupa em conceitos estéticos e busca pragmaticamente uma utilidade. Persegue, também, a liberdade e a possibilidade do contador contatar um cotidiano inusitado em minúcias. E, quem sabe, dar forma ao que se passa na cabeça de cada um que tem algo relevante a revelar.
A observação apurada que se faz presente faz a diferença. Cada ponto de vista é um relato inédito, resultado de uma experiência única. Parece ter o poder de tocar profundamente ou arrancar um sorriso importante. Afinal, estamos tratando aqui de algo que a maioria da população desse país desconhece, inclusive nos altos escalões – a leitura de um bom livro. Ótima leitura!
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Livro de crônicas lançado em 06.07.2019
Neste terceiro livro, o prefácio é do saxofonista, compositor e cantor King Jim (foto), uma lenda do rock gaúcho. Entre os autores das crônicas assinam: Caco Belmonte, Flávio Dutra, Jorge Hugo Souza Gomes, Luciano Riquez, Mateus Silva, Paulo Leônidas, Plínio Nunes, Ricardo Azeredo, Vitor Hugo Castro Pereira e Wilson Rosa.
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