"Os Retirantes", de Portinari. |
Imprensa, ciência e arte têm um algoz em comum. São os três maiores alvos do populismo autoritário que se espalha pelo globo. Existe um entendimento em nível mundial, nos países verdadeiramente democráticos, de que é imperativo divulgar o que for de interesse público, incluindo documentos oficiais ou gravações obtidas de forma ilegal, que os jornalistas recebem e reproduzem quando autoridades querem omitir conteúdos importantes. O debate é longo e subjetivo, ideal para gerar inimizades e alimentar antagonismos. Estou dizendo o que é senso comum, foi o caso dos norte-americanos que derrubaram Nixon no episódio Watergate. Mas o Brasil é sui generis, não serve de exemplo. Aqui, garimpeiros matam índios e a culpa será imputada aos indígenas, pois vivem em local importante à extração de riquezas subterrâneas.
Ah, se fosse nos EUA ... Argumento frequente entre os que apontam Greenwald criminoso. Na terra de Trump, apesar dele, a imprensa ainda consegue trabalhar sem pressões ou ameaças de prisão.
O que é de interesse público? Excluindo as denúncias flagrantes, coisa imperativa, como no caso dos supostos conluios entre juiz e procurador, boa parte das outras questões cai no terreno da subjetividade, porque entra o interesse (de onde nasce?), induzido e decidido por pessoas em grupo. Por exemplo: quando a ciência estuda fenômenos conhecidos popularmente como mediúnicos, quando coloca a mediunidade em catálogos de diagnóstico com outro nome, mas bem diferenciado da esquizofrenia, quem da imprensa abraça divulgar e propalar?
Pessoas terríveis aplaudem o terror. Pessoas terríveis vivem conosco. Meus vizinhos, entre meus familiares, em toda parte.
Admiro quem acredita no grito como poder capaz de mudar alguma coisa no país, ou interromper o que está posto. Admiro quem acredita que as denúncias contra juiz e procuradores surtirão efeito prático. Não vai acontecer. Procuradores e o atual ministro, futuro candidato a presidente, estão blindados. O apoio massivo a quem estiver contra eles não virá jamais. Salvo na esquerda carimbada e outros como eu, avulsos, que não somos nada e nos colocamos antagônicos para nos tornar inimigos de forma compulsória, apenas por respirar. Gritaria e esperneio não extrapolam os mesmos de sempre. Não sou cego e vejo que avançamos rumo à barbárie, mas há quem deseje isso e nós viveremos o terror, sim, com toda a pujança. Afinal, dizem as "pessoas de bem", qualquer coisa é melhor do que o esquerda. A história não se repete, é o homem que não muda.
Glenn Greenwald é trigo limpo? Ainda que fosse, já não faz a menor diferença. Está decidido que é cúmplice de bandidos. Além do mais, aos olhos de boa parte dos brasileiros, tem a inadequação aos "parâmetros" de nossos costumes. O brasileiro "cristão", "ético", "pessoa de bem", não pode aceitar que ele seja casado com outro homem e tenham adotado crianças. "Ai, que coisa horrível, o fim da família". Dizem que já fez isso de caso pensado para poder cometer crimes e não ser extraditado. São palavras do presidente, viram mantra para milhões de pessoas. Além disso, nas redes sociais e blogs de jornalistas que apoiam o governo, é imperativo afirmar que ele é usuário de cocaína (houve até uma fake news recente sobre infarto que não houve). E tem mais a questão da antiga sociedade em produtora pornográfica. É o anticristo perfeito: gay, casado com deputado de esquerda, atacando o ministro e os procuradores acima do bem e do mal. Não pode dar certo.
Injusto não lembrar que um certo governo cogitou extraditar jornalistas e devolveu a Cuba boxeadores que desejavam fugir do regime. Pessoas que odeiam morrem antes, o corpo adoece e se desintegra, pode até surgir um câncer. O policial ganha pouco e faz bico como segurança. Procurador também, é uma carreira de pobres coitados. Eles fazem palestras. Notícia falsa é crime. Conduzir uma linha editorial engajada com viés de isenção é "jornalismo".
MINICONTO INCIDENTAL
A CAMINHO DE CANUDOS
Seis da tarde, Josualdo tropeiro acampou em meio às pedras, no ponto da vereda aonde escorria um fiapo d'água constante. Não demorou, veio um povaréu em tropelia. Nenhum deles parou, apesar da secura visível. Estranho, pensou, essa gente ardida com maior pressa do que sede. Onde vão? perguntou ao que encerrava a fieira, um jovenzinho de pouco mais de vinte anos, talvez menos. "Não sei, ninguém sabe. Estamos a caminho. O messias vai nos guiar."
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