Faz parte do ofício. Ando pelas ruas em busca do detalhe que escapa por ordinário. Comumente desprezado, embora inserido à paisagem urbana. A cidade é uma aula de história a céu aberto. Laboratório de percepções. Garimpo invisível à maioria, ocupada em administrar a azáfama que se impõe rotineira. Para mim, esse olhar vagabundo é oxigênio. De outra perspectiva caio no vácuo. Nada existe, implodo e a vida perde o sentido.
As minhas ideias eu não entendo como minhas, exclusivamente a verve pessoal. Eu as capto, ou recebo como medianeiro, de forma que não posso explicar à luz da ciência, porque essas coisas não acontecem no minuto e instante desejados para o cientista fazer anotações e validar, tampouco são externadas de forma física, acontecem de maneira sutil por meio da intuição. É pessoal e intransferível, imponderável, intangível, inominável e místico, eventualmente ideal para eu ser rotulado tolo sincrético. Não me importo.
O mistério da palavra. Queres entender o que move um poeta ou prosador? Pense nas coisas que te pegam pela alma e arrastam àquele mundo de sonho abandonado, a saudade do que não tens lembrança e resiste, ainda que haja passado o tempo de uma vida, de todas as vidas de todos os homens até o último dia da criação. Se não tiveres alma, apenas reflexos condicionados, pense naquilo que te realiza e tens de fazer a qualquer custo, sob pena de murchares, morto-vivo. O ato de necessidade fisiológica, força anímica que movimenta o autor. Morreríamos secos, todos nós, se não o fizéssemos, sejamos crentes ou descrentes em “algo maior”.
A vida, maratonas e situações com desfechos inesperados, muito além da capacidade inventiva de autores ficcionais. São intervalos a marco, como num filme, quando o diretor interrompe a cena principal e retorna no tempo em flashback, onde o espectador apreende uma breve explicação, sem a qual o desfecho seria nebuloso e o roteiro falharia, incompreensível por mal-acabado.
Em todos os lugares surgem esses escribas, ou cronistas, poetas, o nome é indiferente para uma mesma função inata. O contador de histórias remonta às tradições milenares de povos africanos, asiáticos, no oriente médio e mesmo entre os ameríndios. Nos confins do altiplano inca, nas selvas maias ou planaltos astecas, em qualquer tempo, o homem vai manifestar o verbo. Se a palavra é a arma mais poderosa da criação, escrevo porque me reconheço criatura.
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