Densa em conteúdo, “Notícias da Guerra e o Destino de Laura”, novela de Vera Ione Molina, é uma obra leve pelo volume de páginas. Terei pouco a acrescer sobre um livro que já recebeu as chancelas de mestres como Nei Duclós e Tabajara Ruas, mas escrevi algumas linhas mal-ajambradas. A versão que chegou a mim, editada pela Bestiário e publicada em 2017, já vem com a roupagem definitiva, porque anteriormente foi publicada sob o título “Quarentena”, lançado por outras três editoras em anos distintos na década de 90, incluindo o Instituto Estadual do Livro.
Laura, a personagem protagonista, revisita uma longa tradição em nossa literatura. Eu encontrei outras "Lauras" na obra de Luiz Antonio de Assis Brasil, por exemplo, em “As virtudes da casa”. Em Erico Verissimo, Ana Terra é meio Laura, quando se entrega ao índio. Ao mesmo tempo, a mulher que surge nas páginas de Vera Ione também conversa com Capitu, apesar da diferença básica estrutural na construção do conflito psicológico. Capitu, até hoje não sabemos se traiu a Bentinho, ou manteve-se fiel e todas as desconfianças ocorrem apenas na mente do leitor, por meio do atormentado personagem machadiano que não entrega nada, mas insinua a sua condição aflitiva e isso reverbera nos leitores mais atentos. Afinal, eu fui corno em algum momento?
Em “Notícias da Guerra e o destino de Laura”, sabemos que Laura fez uma coisa considerada imprópria, isso está dito nas páginas do livro, a diferença é que as consequências desse ato, desdobramentos que vão além do instante fugidio e lascivo, também estão explicitadas na obra, mas o “Bentinho” de Vera Ione não tem dúvidas, ele está convicto de algo que o leitor não encontra na urdidura da trama construída pela autora.
O livro tem como pano de fundo, além de nuances da lida campeira, também os costumes retrógrados das famílias no interior gaúcho, especificamente a cidade fronteiriça de Uruguaiana, lá nos idos do século XX, em plena Segunda Guerra, de onde surge um pivô coadjuvante que veio fugido do Uruguai. Ele tripulou a famosa belonave alemã, terror nos mares do Sul, encouraçado de bolso Admiral Graff Spee, afundado por seu capitão em pleno rio da Prata, para não entregar aos aliados o bem-sucedido barco de Hitler, responsável pelo naufrágio de dezenas de navios mercantes com suprimentos e matéria-prima destinada aos antagonistas do trinômio nazifascista nipônico.
Eu recomendaria esse livro também aos alunos de ensino médio. Panorama histórico mundial, nossas raízes gauchescas, relações familiares e famílias tradicionais com os seus agregados que viram familiares por casamento, ou amantes furtivos quando surgem as oportunidades de entrega. Temos isso no livro, sem falar da estrutura narrativa e delicada escolha de palavras, frases enxutas que vão no caroço e dispensam firulas. Não há literatice em momento algum. As cenas formam o todo e podem ser lidas individualmente, embora em cada fragmento estejam "deixas" para o que vem a seguir, como se fossem contos independentes e interligados ao mesmo tempo. É uma narrativa cinematográfica construída em cenas miúdas e grandes planos abertos. Eu indico essa obra.
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