UM CONTO DE FORMAÇÃO


O conto ADALGISA foi reproduzido em sites e portais literários, mal publicado no livro Contos para ler Cagando (2004) e, posteriormente, impresso em versão definitiva na obra No Orkut dos outros é colírio (2006). O narrador apresenta uma história que aborda a descoberta da sexualidade.

ADALGISA
O hímen, segundo o dicionário Aurélio, é uma prega formada pela membrana mucosa da vagina, e possui uma abertura de forma e diâmetro variáveis. Logo depois aparece, em negrito, a seguinte expressão: hímen complacente; o que não se rompe à passagem do pênis. A descoberta do sexo sempre me pareceu mais complexa na mulher. Homem não tem cabaço, e isso retira um elemento importante do conflito. Nossa primeira vez, ao contrário das mulheres, não implica rompimento de nenhuma membrana. A única coisa que se rompe é de natureza psicológica. 

Estou falando sobre essas coisas de cabaço e virgindade porque lembrei da minha primeira vez. Naquela época, aos dezesseis anos, meus grandes parceiros eram o Turco e o Mortadela. Morávamos na mesma rua, nos conhecíamos desde os primeiros anos do colégio e as famílias se frequentavam. Nossa amizade começou a fazer água depois que ela apareceu. Viera de Curitiba por causa do pai, major do Exército. Quem a viu primeiro foi o Mortadela, num aniversário de quinze anos. Ele recém tinha perdido a virgindade com a prima do Turco, bem mais velha do que nós. E o Turco também já conhecia mulher, por causa da empregada que trabalhava na casa de seus pais. Dos três eu era o único que nunca tinha comido ninguém. 

Namorei duas ou três, mas nunca consegui mais do que peitinho e arreto. Não gostava delas, era impaciente, atropelava tudo e sempre perdia as raras oportunidades que se apresentavam. O fato de ainda não ter conseguido emplacar a primeira relação sexual acabou me rendendo o apelido de Pistolim. Era eficiente no futebol, mandava bem no skate, batia todos os recordes no vídeo game, brigava com destemor e até empinava de moto. Mortadela e Turco, comparados a mim, perdiam em muita coisa. Em compensação eles tinham vida sexual, que eu desconhecia até aquele momento.

A primeira vez que ela apareceu lá em casa foi na condição de namorada do Mortadela. Dezessete anos recém-feitos. Parecia mais velha. Lembro do shortinho enterrado, marcando a calcinha minúscula. Camiseta sem sutiã e aquela carinha ingênua, o sorriso malicioso. Lembro do cheiro doce que exalava após o banho e da rosa tatuada no tornozelo. Voz rouca, pele morena, grandes olhos verdes. Qualquer um teria se apaixonado. Problema é que o Mortadela, considerado mais bonito, era tido como o príncipe encantado do bairro. 

Turco estudava no turno da manhã, junto comigo. Todos as tardes nosso compromisso era com a vadiagem e a rua. Videogame, baseado, fliperama da esquina, gatinhas no calçadão. Dos três, Mortadela era o único que trabalhava. Office-boy. O pai morreu cedo e a mãe não conseguia bancar quatro filhos com salário de professora. 

Foi numa daquelas tardes vadias que a encontrei no calçadão, à beira do Guaíba. Ela de patins, eu de bicicleta. Conversamos durante horas. Ao final, quando nos despedimos, me deu aqueles três beijinhos furtivos, dos que pegam meio de canto na boca. Depois pediu o número do telefone, dizendo que às vezes não tinha com quem conversar. Naquele momento, para mim, já não importava o Mortadela. 

Começamos a nos encontrar com regularidade, decretando dessa maneira o fim da minha claudicante vida sexual. Não durou muito, infelizmente, porque logo o Turco descobriu e me fez prometer que contaria para o Mortadela. Disse que esperava aquilo de qualquer um, menos de mim. Tentei argumentar, ele não aceitou justificativas. Lembrou nosso antigo código de conduta, promulgado numa espécie de tratado que vinha desde a infância, onde a traição por causa de mulher era considerada falta gravíssima. Estipulou prazo, prometeu delatar tudo se eu não o fizesse. Segundo ele, o restabelecimento da verdade era o único jeito de corrigir o erro. Nossa amizade seria hipócrita se o Mortadela continuasse ignorando aquela traição. 

Levou tempo para eu me decidir. Durante alguns dias, de várias maneiras, tentei falar com ela. Liguei, procurei no calçadão, dei plantão em frente à casa. Não atendia o celular, nem o telefone convencional. Numa sexta-feira à tarde, após inúmeras tentativas frustradas, decidi adotar o método não-convencional. 

Invadi a casa pelo muro dos fundos. Os cachorros já me conheciam, não fizeram alarde. Atravessei o pátio, cruzei a porta da cozinha e fui me esgueirando corredor adentro. O volume do som estava alto, lembro como se fosse hoje, tocava uma música do Legião Urbana. Ao fundo, quase inaudível, ouvia gemidos de sexo. Como num prédio, quando os vizinhos estão na cama e às vezes deixam escapar nuances de exaltação, acima daquele ruído característico de sussurros desencontrados e cama trabalhando. Avancei lentamente até o quarto. Não tive coragem de entrar. Apenas espiei e voltei sem dizer nada. Turco filho da puta.

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