POESIA, A CRUZ DO POETA


Às vezes, reúno retalhos de texto e faço uma colcha maior, mosaico de informações fractais, onde cada parte pode ser lida em separado e todas ainda fazem o conjunto na imagem maior. Não me achar um poeta, imagino, é o primeiro passo para que um dia eu consiga, eventualmente, roçar o espírito da coisa. Se é tão "simples" e qualquer um faz, eu não iria para onde apontam. Não arrisco poemas, sempre os achei dificílimos e preferi a prosa, ainda que possa existir alguma imagem poética surgida em meio às narrativas.

"Eu quero ter um milhão de amigos", diz a música gravada pelo rei, escrita bem antes das redes sociais, no fim da década de 70. Ao refletir sobre a letra, que é paz e amor, e trazê-la para os dias de hoje, percebo que isso seria falseado. Chateação inominável. Desse milhão eu iria considerar uma dúzia de “apóstolos” e mais “bruxas”, gente que poderia enfiar num micro-ônibus de viagem e ainda sobrariam lugares, caso lembrasse de mais alguém que costuma lembrar de mim.

O paradoxo sempre atrai minha atenção. Por exemplo: a China é o grande império capitalista. Roma levou muito tempo para sobrepujar Cartago. Os cartagineses eram uma potência tão grandiosa que, após invadida e incendiada, os romanos a reconstruíram como colônia. Tornou-se próspera, quarta maior cidade do império com uma população estimada em meio milhão. Eles aproveitaram o que havia de bom e incorporam as suas práticas de engenharia e ordenamento social. Da mesma forma, também o cristianismo incorporou o que lhe servia das religiões pagãs, durante a patrística. Agostinho foi um dos artífices que fez essa "costura". 

Sobre a política internacional dos chineses, penso que são os maiores capitalistas entre os capitalistas atualmente, apesar da ausência de liberdade dentro da China. Aos poucos, nos últimos 30 anos, deixaram o mundo de joelhos e não foi por causa do novo Corovírus, e sim porque quase tudo tem componentes chineses. Nos carros e eletrodomésticos, nas roupas e utensílios que vão desde as quinquilharias do 1,99, até smartphones modernos e praticamente todas as coisas industrializadas. Sem falar que são os maiores consumidores de nossas commodities. Sobre o vírus que escapou de lá, não acredito que tenha sido proposital, mas não descarto a possibilidade, embora a decisão de colocar a culpa na China tenha sido política aqui no Brasil. E nem a ONU fez isso, nem o presidente norte-americano, embora todos saibamos que veio de lá a Covid-19, esconderam informações e pessoas foram presas, talvez tenham morrido, por desejar comunicar isso ao mundo. 

Os capitalistas brasileiros e de todos os países do globo adoram levar fábricas para a China, porque lá a mão-de-obra custa menos, existem menos direitos e mais horas trabalhadas. Então, as nossas ricas pessoas de bem retiram os negócios daqui e levam para lá, por dinheiro e não filantropia para com os chineses pobres que precisam trabalho. Tudo é o dinheiro.

Os brasileiros infames que pedem o retorno do AI5 e o fim do Estado Democrático de Direito, casualmente são as mesmas que criticam as ditaduras chinesa, venezuelana e cubana. Para eles, ditadura é sempre de esquerda. Quando ocorre a supressão dos direitos fundamentais de um povo, cassados por um governo de direita como desejam aqui, esses mesmos brasileiros que condenam ditaduras comunistas acreditam que a sua ditadura não seria ditadura, mas movimento libertário em nome da família, Deus e a propriedade privada.

Foi interessante, mas provocação desnecessária. Em Porto Alegre, houve um domingo em que saíram às ruas de verde e amarelo para pedir o empastelamento da democracia, e surgiu entre eles a mulher pelada com a mesma bandeira, em cima do muro da Igreja das Dores com o pavilhão nacional, nitidamente para afrontar, como se estivesse num queijinho de boate e o povaréu contrário lá embaixo, olhando os lábios vaginais que gritavam em protesto. Parecia um filme, tipo Bruno Barreto, com José Wilker de Vadinho, pelado, caminhando com desenvoltura ao lado de Sônia Braga e Mauro Mendonça, em Dona Flor e Seus Dois Maridos, primeiríssima e clássica adaptação da obra de Jorge Amado, autor que imortalizou o xibiu.

Intervenção militar chega a ser piada, bobagem que insistem para insuflar meia dúzia de gatos pingados. E enchem a boca para dizer que é o povo quem deseja. O povo que anda de SUV Porsche, decerto. Falam em AI5 como se fosse coisa certa, mas esquecem de mencionar os militares da ativa. Eles não topam quartelada, apenas porque eleitores iletrados acreditam que o mandato presidencial elege um semideus e, como tal, não precisa de outros poderes para equilibrar a balança e pode fazer o que bem entende, fica por isso mesmo e não precisa dar explicações a ninguém. Não é assim que funciona. Ainda bem que isso só consegue mobilizar redes sociais e meia dúzia de gatos pingados, não as Forças Armadas, que permanecem na caserna dormitando acima de politicagens.

Mesmo os mais piedosos e caridosos dentre nós, aqueles que ajudam sem contar a ninguém, ainda passam ao lado de pessoas atiradas ao léu, jogadas pelas ruas, e continuam vivendo as suas vidas. Eles ajudam da forma que podem, naquilo que está ao alcance, mas nunca conseguem amparar a todos. Eles doam o melhor de si, e aqui não estou falando em coisas materiais que entregam, e sim a decisão de fazer alguma coisa, mesmo singela. Muitos têm o desejo sincero de curar o mundo. Apesar disso, num grito de salve-se quem puder, se tivéssemos que sair correndo em campo aberto para sobreviver, tenho certeza que muitos iriam passar por cima de mim, caso eu tropeçasse e caísse pelo caminho. E o pior, talvez eu fizesse o mesmo.

Antigamente as casas não tinham muros altos. Em algumas cidades do interior, ainda encontramos residências que ficam de portas abertas. E isso não significa que os moradores da cidade estão autorizados a entrar na casa das pessoas, sem pedir licença. Apesar disso, nas redes sociais fazemos postagens abertas e as pessoas se acham no direito de entrar chutando a porta e gritando, como uma horda salteadora, bandoleiros da choldra digital. E batem no peito, cheios de razão, para justificar que a postagem estava aberta e isso lhes assegura o direito compulsório de ofender e vomitar regras, reivindicar verdades para si.

"Eu sempre digo". Evito falar e escrever nesse tom, porque me coloca como suposta referência de algo, me atribui importância que não tenho. Isso é para quem se acha relevante demais. E muitas vezes, o "sempre digo" é sempre digo equivocado. Pior do que decorar e repetir grandes frases de grandes homens, ou trazer a Bíblia na ponta da língua, sem ter a capacidade de formular a própria verve. As pessoas se levam a sério demais, se dão muita importância e esquecem que o mundo já existia antes de seus nascimentos. O mundo não vai parar e nos render exéquias de Faraó. Outros, melhores e mais preciosos, já vieram e foram esquecidos.

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