Eu não posso divulgar o conteúdo da entrevista no formato em que foi publicada, destinado a assinantes do material exclusivo produzido pela equipe do Literatura RS. Embora o portal tenha conteúdos liberados a qualquer internauta, os "doces bárbaros" são reservados ao público que prestigia de verdade. Mas, combinei com o editor que iria diluir as perguntas com outras palavras e costurar as respostas para construir um texto sobre o ofício remunerado de ghost writer.
O texto de abertura que eles fizeram é bem realista. "Ofício pouco reconhecido no Brasil, o ghost writer e um tipo de profissional envolto em uma atmosfera de discrição em função da natureza de seu trabalho. Solicitado por pessoa com os mais diversos perfis, oferece o serviço de escrita, pesquisa, apuração e edição para a produção de obras literárias que levam a autoria do cliente. Por isso, é um prestador de serviço que permanece nas sombras e que recusa os holofotes da autoria literária”.
O que faz, afinal, um escritor fantasma? É aquele que escreve e não assina a obra. Apesar da existência dos longevos cursos universitários de Letras, e dos recentes cursos de graduação e pós em escrita criativa, nomenclatura moderna para o que antes chamávamos oficina de criação literária, boa parte dos profissionais que conheço e atuam como ghost, são oriundos do jornalismo. Isso acontece porque a demanda de livros por encomenda passa longe da literatura ficcional.
No meu caso específico, já escrevi biografias e livros-reportagem. Também já produzi um livro autoral de memórias, “escrito” por um jornalista muito conhecido, realizado por meio de gravações memorialistas em que ele recordava fatos e depois eu os transformava em texto, acrescendo alguns itens com pesquisas necessárias para “encorpar” a narrativa. Obras que contam a trajetória de grandes empresas, ou narram a biografia de patriarcas bem-sucedidos, ou ainda um livro sobre acontecimentos importantes na vida das pessoas “que escrevem”, como memórias de viagem e até experiências de cunho espiritualista ou místico, já caíram em minhas mãos para trabalhar como ghost.
A forma como o profissional é contatado varia. Geralmente, são indicações de antigos clientes ou editoras a quem já prestei serviço. É o boca a boca de antigamente. E não existe uma qualificação específica para exercer a função. No mínimo ser escritor, ou pretender-se como tal. Leva vantagem quem é oriundo das faculdades de Letras ou Comunicação, jornalismo e propaganda. Contudo, se houver qualificação acadêmica e pouca capacidade prática de conduzir uma narrativa bem estruturada, caso seja um teórico das letras, pessoa acostumada a lidar com literatura comparada e quase nenhuma produção autoral fora das dissertações e teses acadêmicas, dificilmente irá conseguir desempenhar a função. Um jornalista acostumado a textos longos e pesquisas para reportagens de fôlego, já arranca com alguma vantagem sobre o literato.
Minha história como fantasma se iniciou faz três anos. Fui levado à reinvenção pelo desemprego e a impossibilidade de me recolocar no mercado de trabalho formal como jornalista. Faz cinco anos que não tenho emprego e sobrevivo de freelancer, o que antigamente chamávamos biscateiro de forma pejorativa. Hoje, o biscateiro é um herói nacional e foi até promovido, ascendeu socialmente com a pejotização.
Não é fácil atuar no mercado editorial com essa função, existem hiatos entre demandas e a procura também não exorbita, a ponto de surgir fila de espera. Via de regra os clientes não gostam de pagar o que vale o nosso trabalho. Em média, por menos de XXXX reais, nem inicio uma conversa para escrever 100 páginas. Existem casos em que já partimos de alguma coisa pronta, e precisa ajustar para dar tons e nuances literários. Isso envolve edição. Então, há trabalhos em que o ghost atua mais como editor, reescrevendo um texto pobre. Costumo cobrar menos, quando isso acontece.
São diversos gêneros de texto que produzimos. Via de regra, qualquer texto não-ficcional. O cliente tem uma boa história para contar e não sabe como. Pode ser relato de viagem, biografia de parente ilustre falecido e não contemplado com obra memorialista, histórias de família, grandes empresas que desejam produzir livro institucional, relatos autobiográficos, depende. Em alguns casos excepcionais, existe contrato de confidencialidade. Noutros, maior parte deles, o cliente confia em quem está contratando e esses termos nem chegam a ser cogitados. O ghost writer depende de sua credibilidade e sigilo para ser indicado a novos trabalhos. Eventualmente o meu nome surge nos créditos do livro como editor. De praxe, não surge em lugar algum. Importante é que paguem o combinado, o resto é vaidade desnecessária.
Na entrevista, me pediram para citar alguns trabalhos que tenha considerado bons. A bem da verdade, qualquer projeto bem pago me traz muita satisfação. Então, houve um caso em que escrevi para um advogado bem-sucedido, ele desejava publicar a biografia do avô falecido, político de renome na região da Serra gaúcha. Para esse trabalho, além dos valores propostos que ele nem quis negociar, achou justa a pedida de preço, houve também diárias polpudas para uma viagem de pesquisas necessárias à obra. Eu recebi o suficiente para ficar hospedado em hotel de luxo, mas optei por hospedagem simples e pude economizar bastante. Um outro livro, ainda não publicado e já entregue ao cliente, narra a trajetória profissional de um jornalista bastante conhecido, atualmente morando no eixo Rio - SP, onde apresenta programas de jornalismo em rede nacional. Também ele pagou o valor justo e não quis barganhar. A maioria dos clientes não tem noção do trabalho que é escrever, age como em todas as demais negociações, sempre que possível levando vantagem e recebendo descontos, parcelando o máximo possível, como se o trabalho intelectual fosse um eletrodoméstico.
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