O IMPONDERÁVEL

 


Acredito que alguns ficcionistas podem antecipar o mundo. Júlio Verne, George Orwell, Aldous Huxley, tantos outros. Entendo que o artista tem, por algum motivo que não sei explicar à luz da ciência, a capacidade de conectar o inconsciente coletivo e até antever o futuro, traduzido na verve artística. Quando fazem isso, também acredito, não percebem a importância do que está canalizado. Aurora que surge.

Seja o estrategista. Lute como quem não luta. O frio é quente, escuro reluz, a entrada oficial é pelo esgoto. O império romano também era um mafuá, a diferença é que eles xingavam em latim. Algumas pessoas paralisam, mas a vida se encarrega.

Tribos “primitivas” já intuíam as influências lunares, antes do homem nas antigas civilizações começar a fazer estudos por observação e perceber as fases da lua, influência nas marés e até a noção de cálculo para tempo transcorrido. “Te vejo daqui a duas luas”, diziam. A influência lunar nos afeta pela atração que essas massas gigantes, terra e lua, exercem mutuamente. Por mais incrível que pareça, sabemos que isso também atinge a nossa glândula pineal, responsável por controlar o ritmo circadiano, conhecido como relógio biológico. Se você é dos que validam alma, saiba que existe a tese de que a pineal pode ser o “aparelho wireless” para nos conectar ao imponderável. Fulano é de lua, diziam antigamente para designar o humor de quem é instável, eventualmente bipolar, hoje catalogado pela medicina.

Por que escrever com o pensamento no dinheiro? Somos escritores, ou vendedores? Mágico faz truques, mago faz magia, escritor é demiurgo e veio antes. Dedico amor à palavra, sempre pronto ao exercício da criação. Verve açulada, inspiração atiçada. Encontro saídas, desço da cruz e fujo da rima fácil. Encruzilhada tem quatro caminhos, a maioria das pessoas nunca experimenta os outros três. Precisamos morrer em vida? É o quê mesmo, isso tão estimado? A glória, a grana, o leite que mamãe não deu? Zinabre, a vida lambuzou a crueza das ruas em nossas almas. Eu não faço nada esperando receber. Eu faço porque sou movido, porque entendo que devo fazer.

No meu planeta idealizado as crianças irão nascer e não serão recebidas com kits de camiseta e badulaques dos clubes futebolísticos afetivos de seus pais. As famílias e os adultos, no entorno do nascituro, estarão ansiosos pelo momento sagrado: iniciar a nobre tarefa da educação, domar o espírito frágil e transformá-lo, pela filosofia e o estímulo sensorial do corpo, educação física sobretudo, numa alma sólida como rocha. O filho do Cosmos, auxiliado pela generosidade de quem o precedeu, fará emergir do caos uma fortaleza menos sujeita ao sofrimento desnecessário. O faz-de-conta não existe, nem esse mundo em definitivo, mas as duas coisas se tornam reais pela mesma via, dentro de nós.

Inescapável, a grande aventura de todos os tempos que ainda nem vieram. Encontro o rumo perdido nos pontos cardeais. Rosa dos ventos místicos interiores. Na aurora as pontes se abrem para os marinheiros que navegam. Ao entardecer continuam levantadas a quem alcançou o grau de contramestre, hábil condutor durante o dia e apto para encarar a tormentosa noite vindoura. Os demais não venceram as ondas gigantes. Correntes fortes, empurrando por baixo em direção contrária, impediram o avanço seguro. Fizeram água durante a travessia e naufragaram. Cemitério de ossos para almas errantes nas fossas abissais dos oceanos e mares tenebrosos.

Falam em surgimento da agricultura no neolítico como primeiro marco tecnológico, permitindo que o homem se estabelecesse. E o marco de humanidade, entendo, ocorreu ainda antes, quando o primeiro osso quebrado recalcificou e o desafortunado pode voltar às atividades junto ao grupo nômade. Houve tempo para estacionar e aguardar a cura do companheiro (empatia). Os arqueólogos já encontraram alguns desses restos mortais. Infelizmente, parece que o gráfico da humanidade não cresce junto com o gráfico das conquistas tecnológicas. Paradoxo.

Não me permito explicar como bicho. Na natureza os filhotes miúdos perdem a briga pelas tetas e enfraquecem. A fêmea os deixa de lado e morrem, mas os outros crescem saudáveis. Já o homem não precisa fazer isso, a empatia deveria nos diferenciar dos animais e, portanto, não serve a desculpa da seleção natural. Nós já dominamos boa parte da natureza e ainda não deciframos por completo a natureza do próprio homem. Colocamos em exílio forçado a parte mais importante nessa composição feita de matéria e energia do pensamento, ou alma, apesar de nossa capacidade cognitiva que transcende o mundo bicho.

Quando ainda sabíamos o que esperar do futuro, diziam que os pais criavam os filhos para o mundo. No século XXI os responsáveis zelosos devem criar para o desconhecido e ensinar os filhos a “viajar leve”, sem “peso extra” desnecessário. Despertar com o carteiro que bate à porta e te entrega um soco no estômago. Ele e o profeta são amigos e bebericam escorados no balcão da birosca, comendo copa e queijo colonial, enquanto o comerciante sorve a sua cachacinha escondido, longe do campo de visão da esposa que frita pasteis para os clientes.


– O que te aflige?

– Ai, não sei. Fico entediado sozinho, preciso estar sempre fazendo alguma coisa.

– Alguma coisa com outras pessoas? Tu ficas incomodado sozinho, e costumas passar bastante tempo com a tevê ligada, para dar a impressão de que não estás sozinho, e apesar de interagir nas redes sociais, tu ainda precisas da presença constante de outras pessoas à volta? É isso?

– Sim, é isso mesmo.

– Ok, entendi. Ficar sozinho te chateia, porque tu não és boa companhia para ti mesmo. Tu estás doente, pode ser doença física ou doença da alma, possivelmente concomitantes.


Majoritariamente ainda repetimos o homem imemorial. Apesar de cada vez mais tecnológicos, nossos anseios não mudam e as coisas que acontecem aos homens também se repetem. Muitos desejos trazem muitos sofrimentos. E quem aumenta a ciência, também aumenta a dor. Isso é Eclesiastes.

Dinheiro é apenas papel, ou virtual. Não tem valor em si mesmo, se não atribuímos a ele um significado. É como o Deus das religiões. O arco-íris era um antigo sinal da aliança entre os homens e o intangível. A luz branca atravessa as gotas de chuva e a refração faz o espectro de cores, mas na verdade é ilusão de óptica, depende da posição de quem enxerga.

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