LUPICÍNIO


Havia um senhor negro de cabelos brancos na casa dos oitenta anos, embora aparentasse menos. Eu o via com frequência, usava boné de couro com aba, verão ou inverno. Nas tardes de minha juventude no bairro Ipanema, lá pelos 19 anos, costumava sair às ruas observando as coisas, buscando temas para escrever. Muitos dos novatos por idade, eventualmente alguns veteranos que se iniciam escribas ficcionais ou cronistas, acreditam que algo presenciado pode render literatura. De fato, rende mesmo, mas eles ainda não têm a prática cotidiana da escrita, então a maioria dos textos fracassa por falta de treino, experiência insuficiente para extrair o sumo dessas situações que passam despercebidas à maioria das pessoas. 

Sim, eu sou um pretenso escritor desde adolescente, quando os livros me abduziram de forma inapelável. A partir daquele ponto, não houve retorno. Por causa desse hábito, tentar observar a tudo de forma esmiuçada, o homem negro de boné que esperava o ônibus sempre no mesmo horário, defronte à antiga Ferragem Matril na avenida Tramandaí, pareceu-me “literário”. Quem seria? E qual a sua história de vida?

Pouco tempo depois, aos 20 anos, ingressei na Faculdade de Jornalismo da PUCRS, ao mesmo tempo em que fui aprovado na Oficina de Criação Literária do curso de Letras na mesma instituição marista. Meu primeiro estágio foi na Rádio Bandeirantes AM, como produtor. E houve um especial de duas horas sobre o Lupicínio Rodrigues, com direito a músicos no estúdio e a presença do filho do compositor, além do cantor Rubens Santos, que pediu transporte à emissora, desde a sua casa no bairro Guarujá, até os estúdios no Morro Santo Antônio, Rua Delfino Riet 183. 

O estagiário Ricardo Villar Belmonte foi designado para ir com um motorista da rádio num fusca adesivado, buscar e levar a atração principal do programa ao vivo. Ele e um violonista, também célebre na noite da capital Gaúcha, infelizmente não lembro o nome. 

Ao chegarmos no bairro Guarujá, após rodarmos alguns minutos pelas ruas internas do antigo balneário, finalmente encontramos a casinha humilde onde Rubens Santos residia. Bati à porta, toc toc toc, e logo surgiu o morador, um dos maiores parceiros de Lupicínio. Era o senhor negro da parada de ônibus. 

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