PLURAL DE FÊMEAS, da Sinara Foss, é um livro com ares de Hitchcock. Outro dia, escrevi sobre prefácios e introduções mirabolantes, que prometem textos de talento sobrenatural, além da capacidade do autor. Não é o caso deste, apresentado pelos escritores Vera Ione Molina e Duda Falcão.
A única ressalva que faço, e tem a ver com a memória afetiva de leitor atento, é que a obra me remeteu às antigas coletâneas intituladas sob o guarda-chuva do consagrado mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Se não estou enganado, os livros Histórias Assombrosas e Histórias Tenebrosas, congregavam textos de diversos autores e nem lembro se eram assinados, ou apenas redatores fantasmas, ghost writers como eu mesmo já fui.
Vera Ione, na orelha do livro, faz alusão a Spielberg e sua bem-sucedida série televisiva, Amazing Stories. De fato, é por aí que a narrativa circula. E uma das qualidades do texto, além de ser visual, é a brevidade dos contos. Sinara não é um narrador "mala", daqueles que nos entediam logo nas primeiras páginas. Ela é ágil, insinua e não entrega de mão beijada (antecipa o conflito e, melhor de tudo, "mantém o leitor em rédea curta", demonstrando domínio narrativo). Não é à toa, porque a autora não se iniciou ontem na literatura, embora seja a sua primeira "aventura" nesse campo narrativo (mistério e violência).
Na maior parte do livro, quase nada sobra. Ainda assim, com o meu "olhar xarope" de editor, haveria pequenos cortes a sugerir, eventualmente um "turning point" no final de um único conto, cujo final eu já havia intuído, desde a metade. Por ser um livro de histórias breves e leitura fluída, empolgante, apesar da densidade dos conteúdos, em algumas horas é possível devorá-lo.
Recomendo, também porque a surpresa é algo que me atrai na literatura. A capa, por exemplo, em tons mimosos liláses com duas fêmeas jovens sobre um leito aconchegante, uma delas nua, talvez possa sugerir narrativas eróticas, ou lesbianismo. Pelo título, a cor da capa e a imagem que ilustra, também podemos supor que iremos encontrar uma obra feminista e panfletária. Mas, não é nada disso, o texto vai além e nos entrega outras coisas.
Por intermédio da literatura, em brevíssimas 90 páginas editadas pela Bestiário, Sinara Foss nos leva à imersão num mundo onde as mulheres são humilhadas, esculachadas, traídas, fodidas e mal pagas; mas, ao invés de deixar quieto e aguentar no osso, guardar para si, elas reagem contra os seus agressores e contra outras mulheres que, na visão dessas personagens atormentadas, ameaçam o "status quo" de suas vidas amorosas, conjugais, familiares, etc.
Não é isso, afinal, o que encontramos nas delegacias de mulheres, em algumas das casas de nossos vizinhos e parentes? Quem de nós, enfim, não conhece inúmeras histórias de abuso machista e violência doméstica? Apesar de vivermos o tempo das pós-verdades e dos negacionistas, algumas coisas são óbvias e ninguém consegue escondê-las, porque terminam estampadas nas manchetes das páginas policiais.
Leiam o livro!
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