UMA GRANDE OBRA QUE VAI ALÉM DO TABU RETRATADO
Eu quero falar brevemente sobre LOVISTORI, graphic novel assinada por S. Lobo e A. Frazão, sem cair na armadilha de reproduzir os termos acadêmicos que remetem às políticas de gênero e reivindicações identitárias. A maioria das pessoas desconhece linguagens inclusivas atinentes ao universo das minorias, como Queer e Cis. Se a obra deve chegar a todos, como está sugerido em ambos os posfácios do livro, e não apenas às pessoas do universo LGBTQIA+, esse tipo de vocabulário contribui para afastar leitores e, consequência lógica, vincula o livro às pautas políticas de um setor da esquerda.
Coincidência, ou não, no meio da narrativa o leitor atento irá deparar-se com uma figura emblemática. Como se fosse ao acaso, na verdade caso pensando, lá pelas tantas surge uma cena em que aparece o transeunte figurante vestido com uma camiseta de futebol onde, às costas, é possível ler o nome e o número do jogador: Ignácio, 13 (foto abaixo). Ora, bolas. Qualquer pessoa que acompanha futebol, haverá de lembra-se que, no Rio dos anos 90, jamais houve um jogador famoso com esse nome e o número 13. Logo ....
Nunca fui leitor de quadrinhos, HQ, graphic novel. LOVISTORI, contudo, é um roteiro de curta-metragem perfeito, do ponto de vista técnico. Nada do que está ali é por acaso. E até os cenários servem como reforço à densidade narrativa. Isso é qualidade literária, excelência que só pode ser encontrada em grandes obras. A bota vermelha escolhida por Sereia, a travesti, por exemplo, é uma das chaves de entendimento que irão antecipar e confirmar o conflito vivido pelo personagem Paixão. Depois que a bota surge em cena pela segunda vez, o policial militar inicia o seu périplo e o livro deslancha rumo ao desfecho. À primeira vista, o leitor desatento até pode pensar em clichê (quando o autor não sabe mais o que fazer com os protagonistas, mata as personagens). Neste livro, entretanto, o desfecho radical remete ao conflito maior, que é a impossibilidade de assumir o amor tabu, a vergonha de Paixão em sustentar o peso de uma escolha que é do coração e da alma, justamente porque a sociedade condena.
Como somos muito esquecidos, ou fazemo-nos de sonsos, erramos ao entender essas relações entre pessoas do mesmo sexo como coisas modernas, “inventadas pela esquerda que deseja soterrar a instituição família”. A homossexualidade é inerente à condição humana, sempre houve e nunca deixará de existir, apesar dos fanáticos militantes da novíssima TFP (Tradição, Família e Propriedade). O livro, muito antes ao contrário, aborda um tema universal, que é o amor.
Esse ranço é anterior a mim. Na antiguidade, entretanto, era bem comum e houve até um imperador romano, Adriano, que ergueu monumentos a seu efebo dileto, estátuas inclusive, em honra à memória do belo Antínoo, que ele divinizou também por decreto, após a morte do amante que conheceu aos 13 anos, fedendo a leite. Numa viagem ao Egito, consta, o adolescente caiu no Nilo e sumiu nas águas, tragado pelo rio ancestral. Não sabemos se houve alguma atividade conspiratória ali. Talvez sim. Ou acidente. Antínoo tinha poder político e inimigos. Que eles faziam sexo e todos sabiam, com certeza é verdade. Tem até uma palavra para essa função na época: catamita. Antínoo, catamita seria, se apenas passivo fosse. Nunca saberemos o que acontecia entre ele e o imperador, se era possuído somente.
Está muito em voga, sim, a patrulha sobre o afeto alheio. Ao final, por sorte, também isso é vento que passa. Infelizmente, estamos num momento adverso, em termos de humanidade e compreensão das coisas para além do dogma, que é decreto do homem.
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