A ESPERANÇA É FURTA-COR


Demoramos a perceber, mas não somos grande coisa. As pessoas se acham relevantes, se levam a sério demais. O mundo prescinde de todos nós, ele já existia antes do nosso choroso nascimento e não vai parar em lágrimas, quando morrermos, para nos render exéquias de Faraó. Viver é um exercício em cima da corda bamba sobre o abismo. Lá embaixo as fossas abissais da tirania, ignorância, intolerância, deselegância, prepotência e assim por diante. 

As pessoas não lembram a todo instante, mas a verdade é que não temos controle sobre quase nada e o imponderável pode topar conosco numa esquina, ou acidente doméstico como escorregão no banheiro. O destino pode surgir da imprudência ou imperícia de terceiros no trânsito. Ao dedicarmos boa parte do tempo à construção do SER, aquele personagem que vestimos para atender aos anseios do mundo, deixamos meio de lado a essência do VIVER. 

Eu não me levo tão a sério e passo a viver mais, eventualmente rejuvenesço. No dia em que alguém entender o inominável, aquilo que o homem precariamente designa como o "Deus", no instante em que alguém conseguir decifrá-lo, a partir desse momento ele já não pode ser "Deus". O mistério está entre nós. Nos dois sentidos da palavra, nós pessoas e nós amarrações que precisam ser desfeitas para libertar o que está preso. 

Sabemos “com certeza", o homem é o único animal que tem consciência da própria finitude. Velhos elefantes e outros bichos se afastam dos grupos para morrer, mas o dogma científico afirma que é instinto e programação genética, mero algoritmo do imponderável que se forma por acaso, ao longo dos milênios durante a evolução das espécies. Eles não sabem ao certo, mas dizem como certeza porque, nos critérios deles, tudo indica. E assim nos mantemos acima de todos os outros seres do planeta, portanto podemos continuar fazendo o que fazemos em nome da ciência e o progresso. A ciência maltrata com outorga.

A humanidade avança no trem desgovernado. Cientistas analisaram ossadas e restos de tecido humano com mais de dois mil anos. Foram comparados a contemporâneos nossos. A análise dos elementos encontrados indicou a hipótese de que o pessoal antigo, aquele grupo específico, pessoas comuns encontradas em covas sem indício de nobreza, em vida gozou de muito mais saúde do que a outra amostragem. Considerando que não existe corpo saudável com a mente em pandarecos, é possível supor que, eventualmente, era mais fácil ser feliz sem essa parafernália que hoje nos escraviza. Não dá para voltar atrás?

Sigo a caminho daquilo que não pode ser, nem será, porque sempre foi. Algumas coisas estão além de nossa compreensão, apesar da arrogância humana, que acredita sermos capazes de chegar à "verdade" definitiva, inclusive sobre a complexidade da vida, que os materialistas darwinistas atribuem ao acaso evolucionista. Os maiores presos políticos na história recente da humanidade são o espírito e a alma, o "Deus aprisionado" que vive adormecido em nós, esperando o fim desse longo inverno da humanidade. Já disse um escritor: "os números são da natureza e foram apreendidos pelo homem. Já as fórmulas são do homem e fáceis de contradizer, porque surgem novos homens com resultados diferentes e revogam as formulações anteriores". Isso é ciência, mas os cientistas também divergem em muita coisa.

Um dia saberemos toda a verdade? Creio que não, toda a verdade é inacessível ao homem. Poderemos saber das coisas do homem, não de toda a verdade encoberta, dos mistérios imponderáveis que remetem à origem da vida, aos segredos do universo que não deciframos e estamos longe de fazê-lo, possivelmente nunca realizaremos tal façanha. 

Alguém sabe, como fazemos para que os homens abram mão de poder e patrimônio? Não sei a resposta, penso que ela não existe em definitivo, porque a natureza humana é conflituosa e egoísta desde sempre, está nos anais da história. Enquanto o homem não abrir mão de poder, enquanto o mundo ainda for justificado na competição - eu preciso estar sempre à frente do outro, nunca ao lado, e quero as coisas de papel passado, o outro inclusive - estaremos apenas repetindo o homem imemorial. 

Existirmos, a que será que se destina? Não sei, eu busco. Se acreditar que decifro, já estarei errado. Está além do que seria capaz de entender. "Estou numa ignorância terrível de todas as coisas", disse Pascal. Religião, ciência, política e tudo na vida. Que aquilo que nos guia seja farol, não uma luz ofuscante. 

Algumas pessoas dizem que não existe o livre-arbítrio, somos movidos por reflexos condicionados, sem alma ou espírito, apenas "algoritmos" determinados pelo cérebro. Ou seja, tomamos decisões aprisionadas e achamos que temos o livre-arbítrio. É uma visão filosófica materialista, muita arraigada nesse início de século, embora a ciência também caminhe em direção a outros pagos, teorizando e pesquisando o que se chama, precariamente, como a matéria sutil.

O que sinto no corpo é explicável pela ciência, mas não o que acontece fora e ainda me pertence. A consciência está no cérebro, ou o cérebro é o instrumento para manifestar a consciência que vem de fora, mas ainda real e palpável, apesar do paradoxo que isso representa? A alma está no cérebro, ou o cérebro é instrumento para manifestar a alma na matéria densa, e a alma e nossas consciências estão fora de nossos corpos, numa realidade paralela e sutil, mas ainda real e palpável? A ciência engatinha nas especulações do mundo subatômico, que denominam quântico, e o termo já foi aprisionado de forma torpe como apelo comercial usado por charlatões. 

Pensar com a própria cabeça. Alguns dizem que a "própria cabeça" é uma coisa difusa, talvez nem exista, porque seríamos um amálgama de todas as cabeças e pensamentos anteriores, mesmo aqueles já esquecidos, mas que ainda estão no inconsciente coletivo. Também há os que não validam nada disso, nem mesmo o livre-arbítrio, ou alma, apenas cérebro e reações químicas, porque seríamos meros reflexos condicionados e tomamos decisões aprisionadas, mas achamos que estamos plenos e conscientes com a nossa "própria cabeça".


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