ANOTAÇÕES PARA NINGUÉM


Crédito da imagem: André Weber.


SOMOS TODOS TORCEDORES
Lá no místico e elevado Tibet, pessoas se mobilizam para torcer por cavalos e ginetes em corridas campo afora, tradição secular. É interessante pensar no fenômeno e os porquês. Hoje, ainda pode ter a ver com a modernidade, os meios divulgam em escala industrial. Mas, essa identificação com clubes (tribos) e atletas vencedores (guerreiros) remonta à ancestralidade primeva. Ninguém escapa. É do homem a condição de torcedor, independentemente da modalidade (na política, também). O caso dos esportes individuais, por exemplo. São raros, na minha geração, os que nunca ficaram acordados para ver o Mike Tyson surrando adversários, ou Nelson Piquet e Aírton Senna, em treinos e provas que o fuso-horário nos trazia de madrugada. Futebol, golfe, natação, esgrima, UFC, cuspe à distância. Torcer, aparentemente, para muitos é condição atávica compulsória inapelável.

VIM DAS PRATELEIRAS NO ARMAZÉM DO NADIR
Dona Edilha, eu tinha cinco anos, era uma das raras pessoas que me reconheciam por vibração e arriscavam nominar a essência do que viria. Ela corria de mim, invariavelmente, como muitos correm ainda hoje. Não querem falar, irritam-se porque insisto, baixam os olhos e fingem que estão me ouvindo, angustiados frente ao abismo da ignorância de todos nós. "Ai, lá vem o perguntinha outra vez", dizia Edilha. E assim foi, até pouco tempo. O mundo sempre me negou as respostas. "Não pensa nisso. É bobagem, tolice. Te concentra aqui, decora a tabuada e as capitais. Canta o hino".

PEDRO PAULO, o BRAVO 
Dois arquétipos encontrei na caserna e não conheço outro tipo capaz de suportar a rigidez da disciplina, a verdade inquestionável da hierarquia, princípio básico de qualquer instituição, sobretudo militar. O homem honrado, talvez majoritário entre os aquartelados, jamais abandona a missão, ainda que receba um salário alquebrado. Ele tem compromisso conosco e vai suportar a tudo, inclusive a morte. Já o idiota, ao contrário, vai fazer as mesmas coisas por tolo, pois é daquelas pessoas acostumadas ao marche-marche dos que obedecem por hábito. 

PROSA EXPLOSIVA
Guardo com cuidado a "nitroglicerina". Pode gerar um transtorno desnecessário. Não é brincadeira. Fogo e ácido, manusear com cuidado. Pedra de valor rejeitada por tolos, atirada à rua como lixo e depois reencontrada, recolhida, lapidada e polida por quem aprendeu a reconhecer o ouro debaixo da sujeira na aparência vulgar. Um fiapo d'água permanece miúdo, outro segue em frente e abraça as águas alimentadoras que engrossam o leito caudaloso rumo ao oceano. O resto é tranqueira, entulho flutuante que gira no mesmo lugar, parado em curva de rio sujo.

DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA NO SÉCULO IV, ANTES DE CRISTO
Entrar em alguma igreja aberta e quase vazia, nos horários sem missa, não por igreja, mas pela atmosfera, pode ser um bom refúgio no meio do caos urbano. Sentar-se em silêncio na grama, à beira do lago artificial no Parque Farroupilha, produz o mesmo efeito a quem se permite. Não falo em “Deus” com o viés dogmático, porque a palavra que designa atrapalha. 

Lido com o mistério, não há como descrevê-lo. Todos somos parte da “grande sopa universal”. O significado maior do inominável, por sutil e vibracional, não é possível apreender com o entendimento limitado da percepção humana. Estamos presos à matéria densa. A fé tem mais afinidade com aquele que precisa acreditar. Quem sente a "coisa" não precisa de fé. Retira o Cristo da cruz e assume a responsabilidade, as consequências de teus atos. 

Digamos que eu fosse desses que rejeitam. Valido coisas simples como cócega, coceira, fome, vontade de mijar, fazer sexo ou cocô, além de sentimentos (rancor, alegria, tristeza). Se nada existe, senão em nós mesmos (inominável, imaterial, imponderável, intangível), por qual motivo eu não saio enlouquecido, sem moral ou fingindo moralidade, vendendo a alma? O que segura as pessoas que não acreditam em nada e andam na linha? De onde surge a ética que faz boa parte das pessoas respeitar as outras, ainda que sejam constantemente vilipendiadas e enganadas por governante que deveriam protege-las e conduzi-las? É o medo da punição? Temos coragem de agir errado e não o fazemos, por vergonha? (eventualmente, seríamos apanhados). E nem perguntei sobre as imoralidades legais.

NÃO FAZEM FILME SOBRE OS 300 TEBANOS 
O Batalhão Sagrado de Tebas foi uma tropa de elite formada por 150 casais masculinos no século IV a.C. Tornou-se famoso na Batalha de Leuctra. Foram aniquilados por Alexandre, o Grande, combatendo em nome do pai, Filipe II da Macedônia, em 338 a.C.  De Plutarco, sobre o "exército de amantes" em batalha: “Para homens da mesma tribo ou família, há pouco valor de um pelo outro quando o perigo pressiona; mas um batalhão cimentado pela amizade baseada no amor nunca se romperá e é invencível; já que os amantes, avergonhados de não serem dignos à vista de seus entes queridos e amados à vista de seus amantes, ansiosos, se lançam ao perigo para o alívio de ambos”.

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