O DESTINO DE GÉRSON

Peço desculpa às pessoas relevantes, embriagadas de sisudez, sempre ocupadas com a azáfama que se impõe rotineira (tudo é o dinheiro). Me perdoem, eu me importo com essas coisas que não têm valor material, e resolvi permitir que o irrelevante pássaro ainda respire por mais tempo, até o instante em que o mistério conceder-lhe o sopro de vida.  

A natureza consome a natureza, a menos que eu interceda e retarde uma morte certa como a minha própria finitude. Apenas questão de tempo. 

Nós preparamos as rações de Gérson, que devem simular o alimento regurgitado por seus pais desconhecidos. Maria Augusta, do alto de sua inocência aos nove anos, resolveu tirá-lo da calçada, onde agonizava desidratado à espera da morte por exaustão, de tanto piar, ou vítima de "gaticínio". Orientada por Luiza, que providenciou o resgate confortável num leito macio em folhas de Hibisco, trouxerem a ave para casa, ao invés de fazer como a maioria das pessoas: observa a cena terrível, natureza devora a natureza, sente pena e fica sem ação, vai embora e sofre por 20 minutos, depois esquece. 

Por outro lado, se constato a epidemia do antropomorfismo, onde os Pets são tratados com mais dignidade do que muitos humanos que deambulam pelas ruas de nossas cidades - bem-estar assegurado a eles com muito amor - sou atacado ferozmente. Se falo em espírito e matéria sutil, muitos também debocham e dão risada de mim, o "tolo sincrético". 

O cachorro veio do lobo e tudo se iniciou com o interesse por comida. O homem caçador desejava aprimorar os métodos de caça. E o animal livre tornou-se escravo da facilidade em arranjar alimento. Não havia amizade e os “laços seriam desfeitos” pelos animais, caso as tribos caçadoras não continuassem facilitando essa parte da alimentação. Hoje em dia, o gato doméstico foge, caso os potes de água e ração permaneçam vazios por muito tempo. Se não conseguir fugir e continuarem negando-lhe comida, ou escape em busca da sobrevivência, poderá atacar o "tutor" (desaprovo esse palavreado politicamente correto). 

O canídeo é amigo de quem o alimenta. O homem não é amigo de quase ninguém, embora ame e cuide dos seus animais de estimação. Houve uma época, não faz muito, apenas algumas décadas, em que os cachorros viviam nos pátios, comiam restos de comida e arroz tipo C, cozido com bofe ou fígado e cabeças, pés de galinha. E todos os gatos tinham bolas, boa parte morria em combate contra outros machos, voltavam despedaçados. Num dia surgiam sem um pedaço da orelha, no outro com o olho vazado, ou pendurado fora da órbita, até que finalmente nunca mais apareciam. Só os fortes chegavam a dois anos, raros longevos como os felinos castrados que vivem hoje em apartamentos com seus brinquedos, dormitando boa parte do tempo, seguros por redes protetoras em janelas. 

Humanos selecionam quais espécies animais serão amadas, quais serão comidas e exploradas, servirão de cavalgadura ou prestarão serviços de tração. O leão ninguém afaga, nem o tubarão branco, embora ambos sejam abatidos pelo homem. Muitos criticam sacrifícios em rituais religiosos, mas entendem normal o sofrimento de cobaias. A ciência maltrata com outorga. Em nome da civilização, podemos fazer qualquer coisa. Em nome do sincretismo, não, porque já se convencionou que tudo é bárbaro, ultrapassado e não faz mais sentido, em pleno século XXI, ainda mais se o crítico feroz não estiver diretamente envolvido na crença. 

Não nos importamos com as cobaias de laboratório, nem com a maneira como são tratados animais em frigoríficos, ou aviários, desde que a carne e os ovos cheguem no supermercado e nós possamos consumir. Os ácidos dissolvem a razão no meu estômago. Da galinha poedeira aprisionada surge o ovo do meu X bacon, que veio de um porco infeliz. 

E eu sigo em frente cheio de razão, "filosófico". Quanto mais desamor no mundo, maior será o faturamento mundial de dois mercados permanentes: segurança e animais para amar. Na mitologia grega, pardais acompanhavam Afrodite, e por isso eram associados ao amor – tanto no sentido sexual, quanto na conotação amor profundo e devotado. Pardais também aparecem na Guerra de Troia. Quando uma cobra come nove pardais, surge a profecia de que a guerra durará nove anos. No Egito, pensava-se que os pardais levavam as almas dos mortos para o céu. Tatuagem de pardal tornou-se popular entre marinheiros (acreditavam que, se morressem no mar, o pardal seria capaz de pegar a sua alma e salvá-la). Existe um hieróglifo egípcio em forma de pardal. Na China, os pardais eram vistos como presságios que prediziam a boa sorte. Se um deles nidificasse na casa da pessoa, era considerado sinal de bom augúrio. Aliás, augúrio significa "profecia feita por áugures, sacerdotes romanos, a partir do canto e voo das aves".

Mede entre 13 e 18 centímetros, com envergadura entre 19 a 25 centímetros. A espécie apresenta dimorfismo sexual; ou seja, macho e fêmea são visualmente diferentes. Come sementes, flores, insetos, brotos de árvores e restos de alimentos deixados pelos seres humanos. Alimenta-se também de frutos como banana, maçã e mamão.

O pardal (Passer domesticus) é originário do Oriente Médio, dispersou-se por Europa e Ásia, chegando à América no século XIX. No Brasil ele desembarcou, segundo registros históricos, quando o então prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, autorizou a soltura do pássaro exótico proveniente da Europa. E logo virou polêmica. 

É espécie de fácil reprodução e adaptação, o que fez com que causasse impacto nos ecossistemas brasileiros. Houve quem argumentou em prol do pardal, usando como exemplo o caso belga (onde a retirada dos pardais causou prejuízos à agricultura); outros condenaram, alegando que destruíam plantações e eram uma “praga” estrangeira. Os pardais rapidamente se adaptaram ao ambiente brasileiro e espalharam-se pelo país. O debate sobre o seu uso ornamental nas cidades ganhou contornos nacionais. No Rio Grande do Sul, Joaquim Francisco de Assis Brasil foi um defensor do pardal. Essa polêmica ocorreu no início do século XX, até meados dos anos 1940. 

Por fim, lembro que o pardal, como todo pássaro, pode ser o vetor que transmite doenças ao homem. Não ele, exatamente, mas o pó de suas fezes secas acumuladas e esfareladas inaladas pelo homem. Isso, óbvio, somente no caso de infestações em telhados e forros, ou em locais sem higienização adequada. Para colocar as mãos no pássaro, lave-as antes e depois. O local onde vive, enquanto estiver na casa, sobretudo a gaiola ou caixa, deve ser higienizado mais de uma vez ao dia. Sim, cuidar de pássaro dá trabalho, se quisermos nos manter saudáveis e também a eles. 

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