O COELHO É MAU


João Emilio surpreendeu a todos. Aconteceu num descuido da babá, que teria ido fazer não sei o quê no banheiro. Momentos antes o deixara ali, quietinho, brincando no chão. Na mesma sala, em outro ambiente, papai, mamãe e vovô conversavam. Coisa muito séria.

Ninguém atinou. Supostamente tranquilo, mas também muito atento ao que acontecia no entorno, João Emilio montava casas empilhando cubinhos de madeira pintada imitando paredes com tijolos. Os triângulos vermelhos eram os telhados. As peças cortadas em arco ele posicionava na base de tudo, exatamente como o vovô engenheiro ensinou a fazer os alicerces e as garagens.  

O vô geralmente aparecia aos sábados ou domingos, com a vovó. Naquela manhã de terça-feira chegou sem avisar, sozinho, pouco antes do almoço. Veio contar ao papai que lhe roubaram dinheiro. Dólares! Culpava o sócio, esse tal de Coelho. Vovô xingava aos berros. “Ladrão, canalha, sem-vergonha”. Do alto de seus três anos e meio, não conseguiu entender que tipo de negócio o vovô poderia ter com um Coelho, mas compreendeu que o bicho era malvado.

O velho chutou cadeiras, esmurrou uma parede. Tirou sangue da mão. Os adultos acudiram. Papai correu e trouxe o kit de primeiros socorros. Mamãe lavou a ferida, desinfetou com spray, cobriu de gaze e colou esparadrapo. Enquanto atendiam ao vovô, João Emilio fez o que fez.  

Por coincidência, naquela manhã, mamãe concordara em prestar um favor à vizinha de porta. A moça viajara às pressas, por causa de um problema de saúde na família. Durante dois dias, numa gaiola instalada na área de serviço do apartamento, dariam acolhida e abrigo a um simpático animalzinho de olhos vermelhos.

Tratava-se de um coelho anão. Oryctolagus cuniculus. Pesando pouco mais de 630 gramas, o pet da vizinha era premiado em competições internacionais. Vinha de uma linhagem importante, aprimorada ao longo de décadas, misturando cruzas com exemplares do Mediterrâneo oriental e norte da África. 

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