Nem vou falar sobre a minha experiência com a natação. Não quero parecer exibido demais, apesar da primeira frase autopromocional. Eu comecei a nadar aos quatro anos. Treinei por bastante tempo, cheguei a participar de competições e acumulei medalhas. Nadei em piscinas, tive alguma experiência em águas abertas. Aos quase 40 anos, voltei a nadar em piscinas. Parei, quando o valor das mensalidades pesou no orçamento mensal. Nariz-de-cera à parte, isso eu asseguro com certeza: enfrentar a correnteza de rios, pode ser mais perigoso do que nadar em oceanos.
Na década de 1980, não recordo com exatidão a data, estava com uns dez anos de idade, no máximo onze, e viajava anualmente a Uruguaiana. Após as festas de Natal e Ano-Novo em família, permanecia o mês de janeiro na localidade de São Marcos, a uns 47 quilômetros da cidade. Meus avós e tios maternos possuíam residências de veraneio, perto do Balneário Cantão, onde existia um camping bem movimentado nos finais de semana. O resto do tempo era calmaria. Ouvíamos o grito dos quero-quero e o canto de outros pássaros. Relinchos à distância, mugidos, galos cantando. De vez em quando, barulho de motores a combustão. Carros, motos e camionetes, eventualmente, passavam defronte às casas.
Uma das coisas que gostava de fazer, junto com o meu irmão e os primos mais velhos, além das pescarias, era me atirar no “poço do Cantão”. Chegava junto à margem do rio Uruguai, naquele trecho havia um barranco bom de saltar, não muito alto, e voltava de costas uns quinze passos, depois corria o mais rápido possível, bem embalado para pular longe e cair de ponta direto no poço fundo. Às vezes, saltávamos dando cambalhota no ar. Eu retornava nadando e me atirava outra vez, dez vezes, vinte vezes, trinta vezes até cansar. Os adultos reprovavam as nossas acrobacias aquáticas. Não tanto pela profundidade do poço, mas também porque era um lugar onde costumavam pescar. Nós fazíamos barulho, espantávamos os peixes.
Então, houve o acontecimento. Um dos meus primos mais velhos, todos os meus primos eram mais velhos, fui o neto caçula, mas esse casualmente chamava-se Ricardo como eu, e inventou de atravessar o Uruguai a nado. Acredito que tinha uns dezessete anos. Junto com ele, um vizinho da mesma idade chamado Alexandre. Os dois cismaram de nadar à margem Argentina, depois retornar. Fizeram tudo certo para dar errado. Não que a travessia fosse impraticável. É possível, com planejamento e barco de apoio. Os nadadores precisam ir em direção favorável à correnteza, avançando junto com ela, na diagonal rumo à margem oposta. A chegada no outro lado, portanto, nunca acontece defronte ao ponto de partida, ocorre bem distante e até muito longe. Isso, quando o rio está calmo.
Naquele dia, os aspirantes a Tarzan foram surpreendidos pela rápida mudança meteorológica. Aumentos da velocidade do vento e da força da correnteza. Ondulações traiçoeiras surgiram no meio do rio. Lá pelo final da tarde, quase anoitecendo, alguém veio com a informação de que os dois abobados tentaram nadar até a Argentina e voltar. Puta que o pariu! Foi um deus nos acuda. A parentalha e os agregados em polvorosa. Minha tia entrou em pânico, a vó chorava pelos cantos e os outros adultos correram para chamar o meu avô Ulisses. O velho era experiente pescador, conhecia as manhas do rio Uruguai. Àquela altura da vida, acredito, tinha mais de 60 anos de experiência navegando e pescando naquelas águas. Se alguém sabia o que fazer, com certeza era ele.
Todos os detalhes do desfecho não recordo, faz quatro décadas, mas o velho saiu atrás deles com uma lancha rápida emprestada por um amigo da família. Quando o vô e o dono do barco retornaram, lá pelas nove da noite, trouxeram junto os dois aventureiros. Estavam bem vivos, olhos arregalados e os rabos entre as pernas. O velho não deixou ninguém brigar com o Ricardo, acho que ele mesmo deve ter dado uma boa enquadrada no meu primo, enquanto estavam a caminho de casa, a tal ponto que o Tarzan ficou cabisbaixo com a cara de bunda por vários dias, antes de retornar a Brasília, onde então residia.
Se a história não foi exatamente assim, recordo-me dessa forma. É possível que esteja enganado, não quero ser injusto, mas acredito que o meu irmão Roberto foi cúmplice. Não arriscou a travessia ida e volta, embora nadasse melhor do que os outros, mas ele enxergou de longe que a coisa estava indo mal, voltou correndo para contar e pediu ajuda. O vô encontrou Ricardo e Alexandre a quilômetros de onde haviam partido. Esgotados, molhados, gelados e assustados, encolhidos num banco de areia no meio do rio, mais para o lado Argentino, envoltos numa nuvem de mosquitos.
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